Maria Celia de Abreu
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentou os dados do censo de 2022, com informações muito fortes sobre o envelhecimento.
Os moradores do Brasil, entre 2010 e 2022, aumentaram em 57,4% – uma constatação que não pode ser ignorada. Sob outro ponto de vista, sempre com referência à população com 65 anos de idade ou mais, vemos que em 1980 esse grupo representava 4% dos habitantes do Brasil; em 2010 já era de 7,4% e o censo de 2022 indica que cresceu para 10,9%. Uma terceira estatística que ilustra esse fenômeno populacional é a conhecida como índice de envelhecimento: para cada 100 crianças de 0 a 14 anos, tínhamos 30,7 pessoas com 65 anos ou mais em 2010; mas essa proporção evoluiu para 55,2 pessoas idosas para cada 100 crianças, em 2022.
Esse fenômeno não é exclusividade do Brasil, ao contrário, é mundial. Deve-se ao aumento da longevidade e à diminuição de nascimentos. A Medicina, junto com as informações de ciências correlatas e tecnologias que dão suporte a elas, têm se desenvolvido com grande rapidez desde o século XX. Hoje, é raríssimo alguém morrer de parto, tuberculose, pneumonia etc.; mesmo o câncer, que era até há poucos anos um mal irreversível, já pode ser combatido; portanto, estamos vivendo muito mais, somos mais longevos do que nossos pais, avós e bisavós. Por outro lado, a estrutura da sociedade vem sofrendo rápidas e profundas modificações: houve uma intensa migração da população rural para a cidade, e a criação de filhos na zona urbana é mais cara e mais complicada; a mulher que estuda e trabalha fora de casa tem necessidade de ter filhos mais tarde e de ter menos filhos do que sua mãe, avó ou bisavó; casais que optam por não ter filhos são muito bem aceitos; o conhecimento sobre como se pode evitar filhos é disseminado e eficiente – entre outros fatores, que estão levando a famílias bem menos numerosas. O Brasil tem, porém, uma desvantagem em relação a outros países, como os europeus, onde essa inversão populacional se deu em ritmo mais lento, e começou quando eles já eram ricos.
Nossa realidade é essa, é difícil, e é com ela que temos que lidar. Suas consequências aparecem sob uma ótica macro, social, do mesmo modo que de um ponto de vista individual. Seguem-se exemplos de cada uma.
Políticas públicas precisam ser implementadas, e com urgência, para questões relacionadas com aposentadoria, planos de saúde, atendimento médico e hospitalar; facilidades para aparelhos de surdez, óculos e próteses dentárias e ortopédicas; moradias para pessoas idosas, dependentes ou não, autônomas ou não, têm que ser planejadas e disponibilizadas; o transporte, além das passagens gratuitas e dos assentos reservados, precisa ser accessível, permitir a entrada e saída segura nos veículos, para pessoas com algumas limitações; os semáforos precisam levar em conta o ritmo mais lento dos novos pedestres; as residências, aqueles sobrados tradicionais cujos dormitórios e chuveiro são acessados por escadas, não servem; os cardápios de restaurantes e os quiosques de alimentação precisam ter opções para diabéticos; cursos superiores precisam providenciar algum aprendizado sobre o envelhecimento e os velhos que aqueles alunos vão atender profissionalmente; cuidadores precisam ser formados e essa profissão reconhecida legalmente; as empresas vão ter que adaptar suas normas de contratação, treinamento e demissão de funcionários; a lei deve determinar que manifestações idadistas são criminosas e como serão punidas. Enfim, exemplos de aperfeiçoamentos da estrutura social, necessários para acolher essa nova população longeva, são incontáveis; as soluções precisam ser pensadas e implementadas num programa extenso de políticas públicas.
Quando consideramos cada indivíduo isoladamente, começamos com uma dificuldade: não é possível fazer generalizações das características e necessidades de um indivíduo em relação ao seu grupo etário. Há uma certa heterogeneidade dentro de todos os grupos etários, só que, quanto mais velho é o grupo, mais as diferenças interpessoais aumentam. Há uma necessidade prática de fazer generalizações, mas é preciso estar alerta para esse fenômeno da heterogeneidade.
Com isso em mente, ousamos citar algumas variáveis que têm maior probabilidade de contribuir para uma vida longeva com autonomia e independência. Quanto mais cedo se investir nelas, melhor, mas é bom saber que sempre é tempo de começar.
A primeira é tão óbvia que quase parece estranho mencioná-la: é preciso investir em saúde física. Alimentação, sono, higiene, acompanhamento médico para prevenir doenças futuras, movimentação do corpo, evitamento de poluição de todos os tipos – são medidas sobre as quais não pairam dúvidas. Mesmo assim, por vezes, são negligenciadas…
O cérebro humano, para funcionar bem, precisa ser estimulado, precisa ser desafiado. Aprender sempre, buscar novidades, encarar desafios cognitivos é uma variável imprescindível; se não fazemos isso, nosso cérebro regride.
A pesquisa recente provou que ter vínculos socioemocionais significativos é fator fundamental para uma boa qualidade de vida no envelhecimento. Conviver com pessoas de idades diversas, confiar, ser acolhido e acolher, se divertir junto, rir junto, ser ajudado e ajudar, ser compreendido sem ser cobrado, são riquezas incomensuráveis.
Além de investir na saúde física, cognitiva e socioemocional, a prática cotidiana também conta para se ter uma boa qualidade de vida. Como já vimos, se vamos morrer com, digamos, 100 anos, precisamos nos planejar financeiramente para isso: como vamos nos sustentar? onde vamos morar? quem vai cuidar de nós, pois provavelmente não daremos mais conta de tudo? E mais: se já decidimos o que queremos para nosso corpo para depois da morte, já comunicamos isso aos nossos próximos?
O que espero que o leitor deste artigo conclua é que o envelhecimento populacional é fato; por isso, uma mentalidade nova precisa substituir o idadismo e políticas públicas precisam ser implementadas; por outro lado, isso não vai valer muito se esforços individuais não forem feitos. Envelhecer bem dá trabalho!
Bibliografia
. artigo da internet:
agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-10/em-12-anos-população-brasileira-com-65-anos-ou-mais-cresceu-quase-60
. Abreu, Maria Celia de. Velhice: uma nova paisagem. São Paulo, Editora Agora, 2017.
Texto profundo.
Obrigado pelo retorno. Sim, Maria Celia sempre nos presenteia com ótimos textos. Abraços
Dados importantes ! Muito grata pelas dicas !
Realmente, um tema pesquisado com profundidade pela coordenadora do Ideac. Abraços, Cleide.
Estamos atrasados, pouco ainda se faz. O recurso do boca a boca, de informar familiares e amigos, ainda é um importante instrumento a “serviço da causa”.
Aos poucos, as pessoas vão se dando conta do tema. Pessoas como você, ajudam, orientam e são exemplos. Abraços