(*) Maria Celia de Abreu
A ansiedade é uma emoção ou sentimento, desagradável, de agitação interior, relacionada com uma situação futura, a qual você percebe como ameaçadora, e fora do seu controle. Seus sintomas se confundem com o que popularmente chamamos de medo do futuro. Sem ansiedade, você não tem a força motivadora que leva a agir, conquistar, superar, aproveitar, aprender, empreender, com empenho e capricho. Então, ela é uma reação boa, positiva.
Só que essa força motivadora precisa estar num nível tal que não prejudique o uso da razão, pois é a razão que permite que você decida com acerto sobre qual é a melhor forma e o melhor momento de agir. Falamos, portanto, em uma ansiedade normal e uma ansiedade patológica. Para acentuar a discriminação, há quem prefira chamar a ansiedade normal de “medo”, e a patológica apenas de “ansiedade”.
A ansiedade normal, ou saudável, tem uma função importantíssima para nossa sobrevivência enquanto ser individuado e enquanto espécie, e para a busca de qualidade em nossa vida. Graças a ela – ou ao medo – fugimos do que pode nos destruir ou nos preparamos para minimizar os prejuízos.
A ansiedade patológica é uma força excessiva, desproporcional às circunstâncias; interpreta como ameaçadoras situações futuras que não o são; além disso ela é crônica, é constante. Gera uma forte tensão, tanto física como emocional, e reverbera no ambiente que a pessoa frequenta. Prejudica as atividades cotidianas, causa sofrimento e perdas, e mesmo que a pessoa tenha consciência do que está acontecendo, ela não consegue controlar esse sentimento.
É muito difícil conviver com sintomas como sensação de que está infartando, sensação de falta de ar, crises de sudorese, recusa de sair de casa sozinho, rejeição a remédios prescritos por médicos competentes, uso indiscriminado de remédios por conta própria, comportamentos focados no futuro deixando de viver o presente, só para dar uns poucos exemplos; por outro lado, é muito difícil conviver com quem convive com a ansiedade.
Vejamos alguns exemplos de manifestações da ansiedade para poder imaginar como ela é prejudicial:
. a ansiedade paralisa – a sensação de impotência diante de uma hipotética situação futura que a pessoa imagina que não vai dar conta é tão forte que ela não consegue agir;
. a ansiedade leva a evitar tarefas, lugares, pessoas etc. que são antecipadas, hipoteticamente, como geradoras de ansiedade;
. a ansiedade bloqueia o potencial intelectual: o ansioso não consegue assimilar novas informações; como exemplos, podemos lembrar de crianças que não conseguem aprender matérias escolares e de idosos que não conseguem ter algum domínio sobre o mundo virtual, embora não exista nada de errado com suas capacidades cognitivas;
. o ansioso não consegue pôr em prática a sua inteligência social, aquelas habilidades que permitem interagir positivamente com os outros e ter sucesso na profissão.
As causas dos transtornos da ansiedade podem ser diferentes para cada pessoa, ou para a mesma pessoa em momentos diversos da vida, e as formas que assumem para se manifestar também variam. Porém, em todos os casos, o transtorno não costuma desaparecer espontaneamente, só com o passar do tempo ou recorrendo a medidas de senso comum: ele demanda tratamento, que por sua vez precisa de um diagnóstico. Cabe lembrar que algumas substâncias tóxicas ou alguns medicamentos podem causar ansiedade em algumas pessoas.
Vou citar algumas das formas da ansiedade, avisando que uma mesma pessoa pode ter, concomitantemente, mais de um desses tipos, e relembrando que nenhuma delas é aquela reação positiva de adaptação ao ambiente, que permite que a pessoa mantenha sua integridade e a espécie humana sobreviva:
. transtorno de ansiedade generalizada (TAG) consiste numa preocupação com eventos que ainda não aconteceram, uma preocupação diária, invasiva, que perdura ao longo do dia todo, embora possa ter momentos de pico mais agudos. Os eventos que preocupam podem ser corriqueiros (relacionados com trabalho, horário, família, responsabilidades, dinheiro, doenças etc.) ou não tão corriqueiros (referentes a terremoto, epidemia, guerra, ataque terrorista etc.). Causa dores de cabeça, dores musculares, insônia, problemas gastrointestinais, e outros sintomas tipicamente psicológicos, como dificuldade de se concentrar, de aprender, de se doar, de empatizar, de se comunicar, de ser resiliente ou ter bom humor;
. fobia, que se apresenta sob formas diversas, mas sempre é intensa. Deriva da expectativa de ser confrontado com algum objeto (o avental branco do profissional de saúde, sangue, são exemplos frequentes), animal (os insetos e repteis são os premiados), situação do ambiente (altura, espaço aberto, túnel, elevador etc.) ou situação social (assinar um documento com outras pessoas olhando, falar para um grupo, ser avaliado por outras pessoas, pensar no possível afastamento de pessoas queridas etc.) e, em havendo esse confronto, não ter controle sobre o que vai acontecer;
. síndrome do pânico, que é caracterizada pela pessoa que, por se ver numa determinada situação ambiental, é acometida por uma crise repentina e aguda de ansiedade, que vem acompanhada de terror, desespero, sensação de que vai enlouquecer ou certeza de que está morrendo. É uma reação que não tem uma relação lógica, de bom senso, com a situação ambiental. O pânico pode vir associado a outros transtornos da ansiedade. Uma pessoa sujeita a crises de pânico pode desenvolver o medo de ter uma crise, e aí ela passa a evitar situações que ela imagina que podem gerar nela um ataque de pânico – o que torna a vida dela duas vezes mais complicada;
. o transtorno obsessivo compulsivo (TOC) ocorre quando a pessoa, involuntariamente, é invadida por um pensamento, ou uma imagem, mas pode ser também um som, uma palavra, uma letra… e isso vem com uma alta carga de ansiedade. Para se livrar dessa emoção fortemente desagradável, a pessoa se vê obrigada a cumprir, compulsivamente, um ritual; aí o nível de ansiedade cai. As regras do ritual, criado pela própria pessoa, são rígidas, e ela não tem nenhuma dúvida de que se não cumprir o ritual algo terrível irá acontecer – o que, precisamente, ela não sabe. Os rituais em geral são comportamentos nas áreas de limpeza, higiene, organização, simetria, checagem de objetos, colecionismo etc.
. o estresse pós-traumático é um tipo de transtorno de ansiedade que pode invadir quem passou uma situação de descarga emocional muito forte, como ter uma perda repentina, sofrer uma violência etc. A situação está definitivamente acabada, mas toda vez que a pessoa se lembra dela, ela entra em ansiedade. Essa lembrança pode surgir em qualquer momento, em qualquer lugar, inclusive em sonhos. Pode ser considerado igualmente como fazendo parte dos distúrbios da ansiedade e do estresse.
Quanto ao tratamento, é importante ter o diagnóstico do tipo do transtorno, uma vez que cada um deles pede um tratamento um pouco diferente. O profissional ideal para dar essa ajuda para o diagnóstico e para acompanhar o tratamento é o psicólogo e/ou o médico, de preferência o psiquiatra.
De modo geral, como os pensamentos e comportamentos dos transtornos da ansiedade foram aprendidos, os tratamentos vão envolver um processo de reaprendizagem. O quanto antes se buscar ajuda é melhor, porque essa aprendizagem estará menos consolidada.
Para pessoas que têm uma propensão natural para a ansiedade, o tratamento pode demandar mais tempo e mais empenho, mas é só isso. O prognóstico de sucesso se mantém. Essa propensão natural advém de fatores biológicos ou genéticos, de fatores psicológicos (tipo de personalidade) e de fatores socioambientais (ter passado por um trauma, trabalhar num clima de extrema competitividade e pouco reconhecimento, viver em extrema pobreza, conviver com alguém que tenha um distúrbio psiquiátrico ou uma doença crônica incapacitante), da mesma maneira que há quem seja mais propenso à depressão ou ao estresse do que outros.
Como em outras desordens, para o tratamento da ansiedade ter bom efeito é preciso que a pessoa se reconheça como ansiosa e que deseje sinceramente superar o transtorno. Precisa estar disposta a modificar rotinas, hábitos, estilo de vida, comodidades ou vantagens, coisa que não é nada fácil, como cuidar do sono, reprogramar a alimentação, incluir atividades físicas, praticar relaxamento e preferencialmente meditação, buscar pequenos prazeres no dia a dia, reavaliar e ressignificar relacionamentos socioafetivos, envolver-se com atividades práticas, investir em se autoconhecer.
Em qualquer fase de vida que esteja a pessoa com ansiedade, essas afirmações valem.
(*) Psicóloga, professora universitária e psicoterapeuta, doutora em Psicologia pela PUC-SP. Fundou e coordena até hoje o Ideac – cujo foco principal, desde 1992, é a Psicologia do Envelhecimento. É autora, entre outras obras, de Depressão e Maturidade (ed. Plano, 2003) e de Velhice, Uma Nova Paisagem (Ágora, 2017).
(Foto Jader Andrade)