Onde orar?
Para onde? Para quem?
Não há mais cantos, nem glórias, somente choros e dores.
Deus se trancou em casa? Não nos ouve mais?
E agora José?
Cleide Martins e Enéas Canhadas (*)
A quem orar? A pergunta seria melhor formulada “a quem queremos orar” ou “a quem podemos orar” ou “a quem devemos orar”. Os templos fechados, as igrejas desertas e frias, uma ou outra ainda abrindo timidamente suas portas, imagens estáticas, silentes e, quem dera, pelo menos, umas conversando com as outras, numa expectativa de fiéis e de manifestações de fé.
Também pensamos nas Sinagogas, nos templos Budistas, nos Centros Espíritas, nas Igrejas Evangélicas, e até mesmo em todas as reuniões de oração que poderiam e deveriam estar acontecendo. Curiosamente tais instituições são mais obedientes do que as aglomerações proibidas de hoje em dia, festas necessárias, libertadoras ou escandalosamente alegres, além dos demais acontecimentos motivados por razões ou pessoas das quais não conhecemos sequer motivações ou carências a se fazerem inadiáveis. E ainda os ajuntamentos espontâneos e casuais que acontecem nas calçadas ou em frente a bares e lanchonetes como se fossem meros e levianos “domingos de manhã”, enquanto o churrasco e a macarronada ainda não estão prontos.
Qual figura divina poderia representar uma espécie de segurança salvadora? Poderia ser, até mesmo em acordo com a doutrina da graça ou seja, aquela em que você faz uma espécie de negócio que é chamado de aliança, você confia ou se entrega, e então recebe a graça da salvação, que significa ir para o céu, mediante o discurso de que “… pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós … (Carta de Paulo aos Efésios 2:8,9)
Perguntas surgiram e ainda surgem, uma das coisas mais difíceis é o descondicionamento dos ensinos religiosos, sejam de uma Escola Dominical, sejam do Catecismo, da Torá e dos terreiros, todos arraigados na vivência religiosa que dizem ser necessária à liturgia da crença e do caminho para chegar a Deus. A um deus, das orações, dos pedidos e dos agradecimentos diretamente dirigidos a um céu e, consequentemente, das obrigações e dos castigos sempre iminentes, quando você se desvia.
Aqui cabe citar Albert Einstein: “a religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia.” Fácil se torna hoje ilustrar com essa citação, não antes.
Deveria haver uma divindade mais alcançável? Que nos ouça mesmo com as portas fechadas? Ao alcance de orações e da fé? Não só como figura, mas como uma deidade?
A oração só faz sentido, nesse momento, se [c1] [c2] concebida como energia direcionada, assim como os sons que se propagam através do vácuo interestelar e devem chegar em algum lugar ou para alguém.
Esse alguém pode ser chamado “Deus[c3] ”, “inteligência suprema”, uma ideia criadora, um movimento cósmico, uma fonte de energia que não caberia em parâmetros racionais; uma força que prova no próprio movimento dos corpos celestes que nada se move sem um impulso para quebrar a inércia ou uma polaridade de atração capaz de causar o movimento de busca, descoberta e encontro.
Impensável ser capaz de alcançar tal entendimento, porém pretensamente conduzidos a uma vaguíssima compreensão que nos ajude a pensar em algo mais confortável. Neste momento, propomos considerar que o mistério se coloque como imponderável temporariamente. Isto é, o temporário nos sugere uma promessa de entendimento para quando for capaz, em algum tempo ou em alguma nova era.
Parece cair no vazio a ideia de que para orar e ser ouvido é preciso olhar em direção ao céu cheio de anjos, serafins e santos. De preferência, estar dentro de um lugar especialmente destinado para esse fim. A nossa compreensão se conecta à inteligência que coordene o Universo e à organização dos santos, anjos e potestades, que compreendidas em um patamar muito mais alto, muito bem pode ser arranhada pela nossa consciência.
Então é quando, entre nuvens anunciadoras e fantasticamente desenhadas num movimento capaz de sacudir os corpos celestes, surge a compreensão de um Deus, sem forma, sem aparência delineada, sem moldes, mas apenas uma fonte de energia e inteligência cuja consciência seja capaz de se comunicar conosco, ainda incipientes existências a se autodefinirem por identidades a serem desveladas a si mesmas. Atrai muito a compreensão de uma humanidade que caminha em forma de multidão, segue em frente e vai crescendo em consciência a cada grão de areia pisada pelos passos dados na evolução.
Neste momento surge uma incômoda e persistente pergunta: por que os templos? O que podemos fazer dentro deles que não possamos fazer enquanto caminhamos nessa estrada evolutiva?
Chegando mais perto da atitude da oração ou da reverência, cabe pensar na oração enquanto fenômeno físico. A oração só faz sentido se ela for realmente uma possibilidade de envio ou recepção de uma mensagem. A oração enquanto fenômeno das leis da física pode possibilitar uma experiência de envio da mensagem com a certeza de que essa onda vibracional chegue a seu destino ou dimensão. Que se ouça de volta não um eco das ondas transmissoras, mas a certeza de um retorno como possibilidade de resposta.
Orar significa enviar uma mensagem para outra dimensão e os retornos podem acontecer mediante leis universais, mediadas pela fé na oração provocando cada vez maior entendimento à compreensão dessas leis, naturalmente livrando-nos dos pensamentos claudicantes a pressupor interveniência divina ou mágica em tais leis, com preferências ou favores.
Fenômenos astronômicos até hoje, e certamente por muito tempo, vão continuar carecendo de explicações científicas na medida em que os conhecimentos humanos sobre o Universo progridam. Os nossos aprendizados não se darão em atendimento a uma necessidade pontual, mas à ampliação da consciência que será possível quanto mais se compreender a sabedoria universal, dinâmica, sábia e organizada que faz o Cosmos funcionar para o bem de toda a vida.
Como fazer, enquanto os templos continuam fechados e as necessidades humanas mais se tornam agudas e angustiantes? Lembramos de Bert Hellinguer, o criador das Constelações Sistêmicas familiares, falando sobre Deus e suas perguntas: “Onde está Deus? Ele está bem distante? Se Ele está bem distante, está separado de nós. Precisamos nos colocar a caminho para Ele? Precisamos procurá-lo? São ideias estranhas! … Então Deus pode estar fora de nós? Estamos separados d’Ele? Ou estamos n’Ele? É claro que estamos n’Ele!” … Apenas nos abrimos para o que já existe! … Somos captados por esse movimento livre divino, movimento do amor e assim celebramos…”
Compreendendo desta maneira uma relação com Deus, talvez possamos sentir a sua presença em nosso interior, e assim conseguir mais clareza de sentimentos e uma consciência mais aguda de ações e atitudes. Embora, isso possa nos trazer também a compreensão de limitações e dificuldades pessoais, a possíveis certezas, bem como a coragem de questioná-las. Quem sabe, até identificar os enganos e pensamentos ruidosos que estão ocultos a todas as pessoas, menos à nossa própria intimidade – à integridade de ser-si-mesmo, condição inalienável da alma e habitante consciente da dimensão em que existimos, sentimos e pensamos.
(*) Cleide Martins é integrante do Grupo de Reflexões do Ideac e Enéas Canhadas é psicólogo
Foto: Maurício Moraes