Por Maria Celia de Abreu (*)
A leitura do livro Tentativas de Fazer Algo na Vida, de Hendrik Groen, programada no Grupo de Profissionais para Estudos e Reflexões sobre o Envelhecimento, do Ideac – vulgo Pantufas de Ouro – me remeteu ao tema do tédio.
A vida nos apresenta possibilidades de ação, e não as realizar, ficar estagnado, apenas contemplando o tempo passar, é doloroso. O ser humano se define através de suas realizações. Perceber-se num beco sem saída, não vibrar pela vida, não ter interesse, é uma situação lamentável, doentia mesmo. Sem energia, a pessoa passivamente almeja que alguém ou algum acontecimento venha de fora e a salve dessa dor, num passe de mágica. A imagem que me aparece é das rodas de um veículo girando sobre um chão barrento, sem sair do lugar.
É preconceito achar que tédio é “privilégio” dos mais velhos. Dependendo do ponto de vista de cada um, há escolas primárias tediosas, há trabalhos entediantes, há relacionamentos conjugais rotineiros e sem significado. São muitas as situações em que o ser humano permanece numa armadilha dessas: imobilizados, subaproveitados.
A ILPI descrita no livro é uma organização autoritária, com regras rígidas, por vezes cruéis mesmo, que são insistentemente expressas para seus moradores, de forma a inibir eventuais tentativas de expressar discordância, desagrado, ou quiçá uma simples sugestão. O silêncio, a resignação e a passividade são benvindos. Porém… eis que surge o herói do nosso livro. Ele constata o tédio no qual está mergulhado, vivendo naquela ILPI; sem condições de morar em outro lugar, começa a tomar iniciativas ali dentro mesmo… e registra tudo em um diário. Atrai para seus empreendimentos subversivos outros moradores igualmente entediados. As ações, que começaram com uma discretíssima recusa em comer um pedaço de bolo ruim, o que resultou no assassinato de todos os peixinhos de um aquário, vão se ampliando, vão se tornando mais ousadas… e mais engraçadas.
Não vou estragar o prazer de eventuais futuros leitores desse livro. Não vou contar os acontecimentos. Apenas quero dizer que, sob forma de diário, as mazelas dos moradores daquela ILPI, situada em Amsterdã, vão sendo constatadas sem piedade, ao mesmo tempo em que as vivências e os sentimentos daqueles velhos são narrados num tom cheio de respeito pelas individualidades e de aceitação das limitações trazidas pelo envelhecimento; tudo isso, permeado por uma grande dose de humor ácido.
O herói desse livro não esperou uma solução mágica que (não) viria de fora: ele agiu.
Quantas reflexões podem ser despertadas por essa leitura!
(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de “Velhice, uma nova paisagem”, entre muitos outros.
Também gostei bastante do livro. Ele retrata sem meias palavras os possíveis desafios do envelhecimento. Por outro lado, muito bem humorado e sensível, o personagem nos espelha a reações criticas e criativas como forma de resistência aos dissabores e fortalecimento da autoestima.
Recomendo
No início da leitura fiquei bastante entediada com a narrativa. (acho que foi reflexo da experiência vivida na Instituição pelo autor). Depois de ficar familiarizada e amiga indiretamente do mesmo, entrei no enredo com curiosidade, o que rendeu boas risadas no decorrer da história. Ótima síntese da Maria Célia. Excelente dica da colega. Recomendo *****