Por Suely Tonarque (*)
[…] “Quero romper com meu corpo,
quero enfrentá-lo, acusá-lo,
por abolir minha essência,
mas ele sempre me escuta
e vai pelo rumo oposto”. […]
(As Contradições do Corpo, Carlos Drummond de Andrade)
Olho-me no espelho e fico estarrecida com o desenho opaco e sou possuída pela angústia; em milésimos de segundos, não reconheço o desenho dos contornos disformes – é a minha velhice – meu corpo dói e cuidados essenciais são necessários. Exemplos: caminhar, pilatizar, alongamentiazar, dançarjá, nadarjá, olhar pôr do sol e despir-se ao luar triste, cansativo. Chato é envelhecer e perceber com clareza e delicadeza o vencimento, ou melhor, o prazo da vida, a validade: e não é fake, é verídico!
No filme “Corsage”, dirigido por Marie Kreutzer, e que narra a vida da imperatriz da Áustria – Elizabeth von Wittelsbach (interpretada por Vicky Krieps) –, a personagem se defronta com a tirania e reage com naturalidade, mostrando sua rebeldia diante das regras impostas pela monarquia. Aos 40 anos é considerada “velha” (ela também se considera assim), o padrão de beleza sendo fundamental já naquela época. Usava máscaras para esconder seus 40 anos e o corpete era peça indispensável! Diante do espelho, com uma fita métrica, pedia que apertassem o máximo possível seu espartilho, de forma a que o mesmo se igualasse a um pequeno ramalhete de flores – bem apertado, justo –, sufocando as emoções e os pensamentos, priorizando a beleza, mesmo camuflando o desconforto do corpo.
Como seria esta mulher aos 70 anos, negando a sua própria velhice, o seu habitat (corpo) com partituras e espartilhos? A beleza do corpo e os padrões são diversos; o corpo é culturalmente construído pelos desejos do embelezamento.
O envelhecimento, portanto, na maioria das vezes, é negado e disfarçado…
“O incômodo da velhice parece não ser apanágio dos velhos, mas sim um fantasma que acompanha todas as idades. Não se quer envelhecer. Trata-se de um mal que se quer expurgar. Para isso, não faltam recursos de uma ciência que investe suas forças no domínio dos corpos, na busca da conservação da vida” (in: Velhice: uma estética da existência, pág. 23, Silvana Tótora, EDUC, 2015).
(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloga e especialista em moda no envelhecer