A vida do dia a dia: modo de fazer

por Maria Lucia Di Giovanni (*)

Na vida em sociedade há um modo de fazer para tudo. Um modo de fazer que orienta o nosso dia a dia. Expectativas de comportamento, normas e regras sociais estão postas para praticamente tudo o que nos propomos fazer.

O processo de socialização é, em última instância, o processo de aprendizagem desse modo de viver que a geração mais velha assegura à geração mais nova.

Estamos falando da existência dos rituais criados e modificados historicamente tão presentes e tão solidamente enraizados na vida social que temos a sensação de que são naturais, isto é, de que apareceram entre nós de modo alheio à vontade humana.

Ainda que possamos nos rebelar e brandir a força e o valor da nossa liberdade, viver é algo próximo a desempenhar um script… para todos os nossos momentos de vida há um modo de fazer socialmente aprovado ou adequado. Temos, sem dúvida, a oportunidade da mudança, mas elas levam tempo e tornam-se também convencionais.

Viver esse período de pandemia que assola o nosso cotidiano nos faz perguntar: Qual é o modo de fazer esses dias estranhos de mobilidade e de contato humano tão inéditos e tão restritos?  

As mudanças foram tão inesperadas e tão rápidas que invalidaram boa parte do script socialmente pré-estabelecido.  Já não dá para nos comportarmos como nos comportávamos. A ordem, aparentemente natural, foi rompida. Como viver o tempo que vivemos? Como organizar o nosso dia a dia se a divisão das tarefas a que estávamos acostumados não responde as novas necessidades da vida familiar? Como trabalhar fora do local do trabalho?… Como continuar o trabalho sem ficar próximo de ninguém?  Como não poder mandar as crianças para a escola?… Como não poder encontrar os amigos?…  Como andar pelas ruas, andar de ônibus ou metrô, fazer compras, visitar pais e familiares, ir à igreja, ir ao cinema … com a sensação de que somos uma ameaça para a vida dos outros e de que os outros são uma ameaça para nossa vida?…

Como nos despedirmos dos mortos se os antigos rituais estão impedidos? Essa não é uma experiência individual, familiar, local… é planetária!

Observo a força humana de preservação da espécie aguçar sua capacidade criativa. Vamos crer! Tem sido assim ao longo da história e acredito que será agora também. Entretanto há um custo a ser pago. Uma certa sensação de que o chão nos foge dos pés. A sensação de que tudo está fora de lugar, de que o mundo não é o mesmo e, mais difícil, não sabemos ainda como ele será.

Que nova ordem social emergirá da vulnerabilidade que hoje se explicita? Mudanças configuradas nesse tempo curtíssimo criaram uma espécie de hiato entre o presente e o futuro. Uma nova conexão se fará com o tempo e por força do conjunto das nossas decisões e ações individuais. Das minhas e das de cada um de nós. De fato, se observarmos bem, embora muito mais vulneráveis continuamos potentes fazedores da história.

(*) Maria Lucia Di Giovanni é Educadora e Cientista Social