“Dentro de mim está a Outra – isto é, a pessoa que sou
vista de fora – que é a velha e essa Outra sou Eu.”
(Simone de Beauvoir- livro: A Velhice)
Por Suely Tonarque (*)
Aprender a caminhar de novo aos 71 anos é um desafio que reúne querer, energia e foco no dia a dia. “Como eu estou caminhando?” É uma dúvida que tenho, envolvida pela angústia e choro, e que faz parte do novo/velho reaprender o caminhar sem temor. O desejo e sonho de que isso ocorra vem junto com a liberdade de andar, delinear o caminho, enfrentar as escolhas dos próprios andares, dos passos como senhora de si, no percurso da vida.
O conceito de beleza que construímos, durante nosso desenvolvimento, vai se transformando com o passar do tempo – há as escolhas das cirurgias plásticas, do Botox, das aplicações a laser, enfim uma série de padrões (des)estéticos com o objetivo de eclipsar o envelhecimento e a finitude.
Envelhecer não é fácil, mas olha que bonito que ficou na composição de Adoniran Barbosa:
Envelhecer é uma arte
Velho Amigo não chore,
Pra que chorar
Quando alguém lhe chamar de velho,
Não dê bola, não esquente a cachola
Quando alguém
Lhe chamar de velho,
Sorria cantando assim
Sou velho e sou feliz,
Mas velho é quem me diz
Comigo também aconteceu,
Gente que nem me conhece
Gente que nunca me viu,
Quando passa por mim
Alô velho! Alô tio |
Eu não perco a estribeira
Levo na brincadeira
Saber envelhecer é uma arte
Isso eu sei, modéstia à parte,
Saber envelhecer é uma arte,
Isso eu sei, modéstia à parte.
Adoniran Barbosa canta “Saber envelhecer é uma arte” e sim, é uma arte que requer cuidados, aceitação, conscientização da finitude. Como é difícil e desafiante!
– “Sou velho e sou feliz, mas velho é quem me diz”
Neste refrão também refletimos sobre o preconceito do envelhecer e como são inseridos os velhos, nos grupos sociais.
Aos 70 anos (completei o ano passado), de repente comecei a perceber algumas dorzinhas na virilha e no quadril do lado direito. De início achei que fosse uma bobagem, mal jeito, etc. Porém as dores foram aumentando devagar, o meu humor acabou entrando na sintonia e foi crescendo conforme o compasso. Depois dos exames, veio o diagnóstico: “é preciso colocar prótese no quadril”.
Fiz a operação com medo e angústia, mas ganhei coragem para enfrentar. Até então nunca havia feito qualquer cirurgia. Compartilho esta experiência para que meus amigos e amigas percebam que o processo de envelhecer é muitas vezes doloroso, exigindo cuidados, paciência e aceitação.
Em minha convalescência já consegui dispensar o andador e estou aprendendo a fazer uso de bengala, além dos cuidados de uma fisioterapeuta, três vezes por semana.
Tento aprender a caminhar, e os exercícios complementam a esfera física do meu corpo. Já na dimensão psíquica é muito difícil aceitar que tenho um objeto estranho no meu corpo- sensação de angústia, mal-estar e uma tristeza quando percebo o processo do meu envelhecimento. Até então não havia internalizado o que é envelhecer. Esta experiência foi dolorosa, mas continuo com os meus sonhos, projetos e esperanças.
Lembro-me de um recorte do filme “A casa dos Espíritos” (1993), dirigido por Bilhe August, com Mery Streep, Glenn Close e Jeremy Irons. Trata-se da história do Chile, na década de 20 até 70, e é contada através da saga da família Trueba, a união de um homem simples (Jeromy Irons) que fica rico, com uma jovem (Mery Streep) de poderes paranormais.
O livro de Isabel Allende foi publicado pela Record em 1982. A saga se desenvolve até esta família ser atingida pela revolução, que no início da década de 70 derrubou Salvador Allende. O que ficou na minha memória de mais bonito, rico e importante foi a fala no final deste belíssimo filme:
-“A graça não está em morrer, porque já acontece normalmente, mas sim em sobreviver, que é um milagre”.
Apesar da cirurgia, do desconforto, da dependência dos cuidados de outras pessoas, estou viva, exercitando o verbo esperançar.
(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloga, integrante do Grupo de Reflexões do Ideac e especialista em moda no envelhecer.