Ezio Okamura (*)
As lembranças e a imagem da minha avó paterna são esmaecidas e distantes. Convivemos brevemente quando morei por um tempo na casa de um tio onde também ela esteve.
Não me recordo nada de muito significativo como apego ou afeto. Não que vovó fosse reticente ou pouco falante. Mas lembro vivamente de um episódio que ela protagonizou. Na década de 50 do século passado, um primo, que é nissei como eu, juntou-se com uma jovem não nissei. Foi um bochicho só e o maior escândalo em toda a nossa grande família liderada – sim, liderada! – por ela.
Imigrantes japoneses vindos para o Brasil pré Segunda Grande Guerra, vovó enviuvou muito cedo e criou sozinha cinco filhos e duas filhas. Meus tios, incluindo meu pai, não aceitavam tal “casamento”; tentaram reverter a decisão desse meu primo. Ao não conseguirem, decidiram isolá-lo do convívio da grande família. Essa minha avó reuniu os filhos e repreendeu-os duramente, mostrando a ignorância e a inutilidade dessa atitude.
A seguir, ela mesma passou a frequentar a casa do neto, demonstrando com clareza que ele não era a ovelha negra da grande família. Meus tios e meu pai, aos poucos, com carregado constrangimento de início, começaram a seguir os passos da mãe.
Minha avó comprovou assim seu caráter firme e sua tolerância em relação ao relacionamento interracial. Com isso, abriu vários caminhos dentro da grande família… Eu mesmo, anos depois, casei-me com Regina, uma moça não nissei, que foi bem acolhida por meus pais e meus parentes. Com admiração e gratidão, a valentia e a mente esclarecida dela estão na minha memória e não se apagarão.
Hoje eu é que sou avô. Meu neto ainda não tem três anos. Nossas casas não são muito distantes, do modo que temos um convívio mais ou menos frequente. Estar com ele tem sido um aprendizado gostoso, que traz colorido ao meu viver.
Quando vamos ao parque super arborizado aqui perto, ele me puxa pela mão, e me leva para atravessar a rua pela faixa de pedestres, sempre.
Corre loucamente em sua bicicletinha sem pedal e eu corro atrás com receio que ele possa levar a maior queda. Mas qual o que!…. Uma das coisas de que ele mais gosta é correr para apanhar pedrinhas e lançá-las na fonte de água (o que não impeço, claro… ha, ha, há…). Leva uns tombos, de vez em quando. Só que quando está comigo ele não chora, ao contrário de quando está só com a mãe….
Mostrei que dá para alcançar o topo do escorregador sem ser pelas escadas… e ele se encantou com essa proeza.
Falador, repete o nome e as cores das flores e árvores que vai encontrando.
Percebe caixinhas, estojos ou portas fechadas como desafios: quer abrir todos. Tento mostrar como, ele me impede. Faz questão de primeiro tentar ele mesmo.
Antes, em casa, gostava de ouvir histórias inventadas pela avó Regina. Agora não mais. Mas, dia desses meu filho enviou um pequeno vídeo dele interagindo e conversando com o Chiquinho, um macaco de pelúcia. Meu neto fala, pergunta, ensina e corrige para o português de Portugal.
Fiquei espantado com outro vídeo, no qual ele aparece comendo um pedacinho de tomate, manipulando (sem espetar) o ohashi (aqueles pauzinhos que os orientais usam para se alimentar).
É claro que minha nora ensina e incentiva estes e outros tantos aprendizados. Mas, secretamente… penso que um pouco do DNA dos avós e bisavós deve ajudar, não?
Como é bom participar com admiração e espanto dessa graça de vida de meu neto! Para mim, hoje, é o que mais me interessa.
(*) Ezio Okamura é psicólogo e integrante do Grupo de Reflexões do Ideac
Ezio, quanta emoção, grandeza humana e simplicidade perpassam sua historinha familiar de avosidade. Seu neto está se nutrindo de verdadeiros valores! Obrigado!
É verdade e isso é essencial para a criança, uma convivência com um avô tranquilo, amoroso e acolhedor. Abraços
Que relato lindo Ezio, recheado de afeto. Parabéns curte muito
Realmente um texto feito todo carinho por um avô sensível e apaixonado pelo neto. Abraços
Que bom ver assim revelado todo seu afeto de avo! Adorei!
E você entende bem desse afeto, abraços
Que texto lindo!
A avó forte e decidida, o neto tentando o aprendizado da autonomia e um avô com muito afeto e carinho nesta jornada.
Uma jornada linda mesmo, como a sua, abraços