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DEPRESSÃO – Importante olhar a dor de frente

Dra. Maria Celia de Abreu (*)

Para falar sobre depressão, quero começar relembrando que o uso dessa palavra  pode ter um sentido de senso comum, coloquial, ou representar um distúrbio psiquiátrico.

Às vezes, a estrada da nossa vida atravessa paisagens feias, desagradáveis, áridas, tempestuosas… aí, é normal, e é mesmo saudável, sermos tomados por tristeza, desgosto, desencanto, luto. O tempo vai passando, a paisagem vai mudando, a intensidade desses sentimentos vai enfraquecendo, nós vamos fazendo adaptações e vamos retornando à nossa rotina. Nessa situação, eu prefiro que não se use a palavra “depressão”, para não confundir com o distúrbio propriamente dito.

Para sair de uma fase de tristeza normal, compreensível, esperada, não há necessidade de ajuda profissional; se houver, ótimo, é uma boa oportunidade dessa tristeza ser transformada em pretexto para autoconhecimento e aperfeiçoamento pessoal, mas não é imprescindível. Nos seus próprios recursos internos a pessoa encontra meios para elaborar a situação e sair dela.  Há quem prefira ficar sozinho para refletir, e quem procure alguém próximo para conversar; há quem expresse sentimentos desenhando, modelando argila, escrevendo, fazendo música; interpretando sonhos; buscando identificação em personagens da literatura, de filmes, em biografias.

O importante é que a pessoa – e os seus próximos também – reconheça que está passando por uma crise e olhe a dor de frente. Fugir desse enfrentamento, negar os sentimentos de tristeza, perda, luto, humilhação, deixa uma questão não resolvida, o que mais adiante provavelmente vai trazer consequências, que serão até mais complicadas de resolver do que no momento em que se instalaram.

Agora, se o tempo vai passando… uma semana, duas semanas… e o desencanto, a tristeza não dão sinal de que estão enfraquecendo, vão causando prejuízos na vida cotidiana da pessoa, vão interferindo com a vida dos seus próximos… provavelmente estamos diante de uma depressão propriamente dita. Então é hora de procurar ajuda profissional.

A depressão interfere no emocional e no físico, portanto, precisa ser tratada nas duas frentes ao mesmo tempo.

Fisicamente, a pessoa se sente cansada, indisposta, sua imunidade é rebaixada, seu padrão habitual de sono e de apetite se alteram (em alguns, para mais; em outros, para menos). Emocionalmente, a depressão age na área do humor e do afeto. Gera tristeza, desesperança, culpa, desgosto consigo mesmo e com a vida em geral.  São recorrentes os pensamentos em torno de desgraças e calamidades, e tipicamente sobre o tema de morte, seja dos outros ou de si mesmo. A pessoa em depressão sente uma profunda indiferença; é como se ela enxergasse o mundo em cinzento, sem cor alguma. A parte cognitiva fica preservada; só que, com o passar do tempo, o desgaste trazido pelo rebaixamento do humor começa a prejudicar a concentração, o raciocínio lógico, a memória e a fala.

Como é que se sabe se a pessoa está apenas atravessando uma fase aceitável de luto e recolhimento, ou de fato está com o distúrbio da depressão? O diagnóstico é clínico. Avalia a presença dos sintomas, a quantidade que se manifesta simultaneamente, o tempo de duração deles e a gravidade dos prejuízos que acarreta para a vida da pessoa. Considerando um complicador adicional: em cada pessoa a depressão pode se manifestar de um modo próprio. Não há exames com imagens nem com marcadores revelados em laboratório que determinem a presença da depressão; talvez se chegue a isso, mas hoje ainda não.

É compreensível que a depressão seja subdiagnosticada: seus sintomas podem passar despercebidos, podem ser negados pela pessoa e pelos que com ela convivem, considerados como um traço de caráter e, portanto, não passível de ser transformado, e até mesmo julgados como um defeito moral. Para pessoas mais velhas, essa desvalorização dos sintomas costuma ser mais grave do que para pessoas mais jovens. Não estou falando só do profissional de saúde desinformado ou apressado, que omite o diagnóstico, mas da própria pessoa e seus próximos, que acham que os sintomas fazem parte do processo do envelhecimento (!!!) ou que um tratamento não traz resultados dada a idade cronológica do paciente (!!!).

Recolhi frases comuns entre nós, às quais a tendência é não prestar nenhuma atenção, que são exemplos de falsas crenças que são facilitadoras de um subdiagnóstico da depressão:

         . Eu sou assim mesmo.

         . Ele está ficando velho, e velho é rabugento.

         . Isso não é nada, ele está só querendo chamar atenção, é só a gente não dar importância que já, já vai passar.

         . Ele envelheceu mal, não quer mais saber de nada, não quer aprender nada, não quer conhecer ninguém, não quer saber de nada que seja novo.

         . Ele gostava tanto disto e daquilo, era tão interessado nisto e naquilo, agora não quer saber de mais nada, parece que tudo é indiferente para ele.

         . Como ele ficou: “chato”! Em moço, ele não era assim.

         . Finalmente, ele mostrou que na verdade é um preguiçoso e um encostado.

Nesta altura, imagino que você, leitor, esteja curioso sobre as causas da depressão, sobre o que origina esse distúrbio. A resposta é complicada. Embora se saiba que a depressão pede uma combinação propícia de fatores genéticos, ambientais e psicológicos (sobre os quais vou discorrer a seguir), até hoje não se consegue prever em quem ela vai se manifestar, nem quando, nem com qual intensidade.

A depressão não é herdada, ou seja, não é transmitida pelos genes. Observa-se que há uma tendência maior à depressão em algumas famílias e, também, em alguns povos. Exatamente como em outros casos; por exemplo, há famílias mais vulneráveis do que outras a contrair tuberculose, o que não quer dizer que aquele determinado membro daquela família vá ficar tuberculoso. Uma tendência genética não é um fator determinante.

Quanto aos fatores ambientais, alguns são fáceis de se admitir: viver em extrema pobreza, viver sem liberdade de escolhas, sofrer bullying, ser sistematicamente humilhado, ser impedido de exercer suas habilidades e competências, ser isolado do convívio social por ter se aposentado ou por estar no meio de uma pandemia, ficar sabendo que é portador de uma doença crônica, entre outros, têm boa probabilidade de desencadear uma depressão. O que não quer dizer que necessariamente desencadeiem. Por vezes, depois que se tem o diagnóstico de uma depressão, se faz um rastreamento e se encontra, no passado, um fator ambiental como provável causa; outras vezes, não se encontra nada.

O setor dos fatores psicológicos também é intrincado. Não se pode generalizar de uma pessoa para outra: o que alguém interpreta como prejuízo, perda, dano, violência, humilhação, cerceamento, como por exemplo a morte de um cônjuge, para outra pessoa é totalmente aceitável. Depende da história de vida, dos valores que aprendeu, das aprendizagens que acumulou.

Outro complicador do diagnóstico: é possível que a depressão não tenha sido a primeira desordem a se instalar na pessoa. Pode ser secundária a um distúrbio anterior, que ela mascara. Um câncer não detectado, uma tireoide preguiçosa, o estresse, entre inúmeros outros problemas, pode gerar secundariamente uma depressão. O tratamento precisa atender a essa causa primária; não adianta tratar só a depressão porque, se a causa primária permanece, a depressão permanece. Em outras ocasiões acontece o contrário: a depressão é primária, e por causa dela a pessoa desenvolve um outro distúrbio, secundário à depressão. Um exemplo típico é o alcoolismo: para se livrar dos sintomas da depressão, a pessoa começa a beber, e dali a pouco ela desenvolve uma dependência do álcool.

Diante de tanta complexidade, minha sugestão é deixar a busca das causas aos pesquisadores e aos profissionais clínicos treinados para tanto. Como cidadãos comuns, me parece mais prático nos concentrarmos nos sintomas, que vão facilitar o diagnóstico, que por sua vez vai especificar o tratamento, que vai conduzir a pessoa de volta à sua normalidade anterior.

Para reconhecer a depressão, é bom ter uma noção dos tipos sob os quais ela se apresenta. Relembrando que o que popularmente é chamado de depressão pode não o ser: é uma reação normal e adaptativa a um infortúnio.

Dentro de uma graduação de intensidade  há a depressão maior, também chamada de severa ou clínica. Traz um grande prejuízo para a qualidade de vida. Seu diagnóstico segue alguns critérios: a pessoa precisa apresentar pelo menos cinco dos sintomas esperados, ao mesmo tempo, por pelo menos duas semanas; esses sintomas estão presentes em todas as horas do dia e em todos os dias da semana. Eles se referem ao humor, ao prazer, ao interesse; ao apetite; ao sono; à agitação, à energia; há dificuldade de se concentrar, de raciocinar, de tomar decisões; prevalecem sentimentos de culpa, de inutilidade, e pensamentos recorrentes sobre morte, incluindo suicídio.

A depressão maior tem subtipos, cada um com manifestações próprias: há a melancólica ou neurótica, a psicótica ou agitada, e a atípica, onde os sintomas se manifestam de modo oposto ao habitual; por exemplo, comportamentos agressivos e agitados, quando o mais comum é que sejam recolhidos e indiferentes.

Outro tipo é a depressão menor ou distimia; alguns chamam de depressão crônica ou de neurose depressiva. Os sintomas são os mesmos da depressão maior, só que mais leves e em menor quantidade. Uma pessoa pode sofrer com uma depressão menor por anos a fio, sem que ela nem ninguém se dê conta de que é uma desordem, que precisa de tratamento. Com frequência, a distimia é confundida com traços de personalidade, admitindo-se que aquele é o jeito de ser da pessoa. O cotidiano é vivido, as tarefas são cumpridas, mas tudo sem intensidade, sem prazer, sem vibração. A qualidade de vida dela fica muito prejudicada, assim como daqueles que convivem com ela.

Não é o caso, neste texto, de nos estendermos sobre tipos de depressão, como a sazonal, a dupla, e o distúrbio bipolar, sobre o qual muito se fala. O importante é a ideia de que o diagnóstico da depressão não é muito simples, porque precisa considerar muitas sutilezas, e em cada pessoa pode se manifestar de um modo diverso.

Também devemos insistir na ideia de que há profissionais que estudam a depressão: médicos, em especial os psiquiatras, e psicólogos clínicos. Eles vão orientar o tratamento para as duas frentes de manifestação da depressão, a física e a emocional, com um reforço medicamentoso (lembrando que no Brasil apenas médicos podem receitar esses remédios) e com psicoterapia.

Conselhos de pessoas leigas, por mais bem intencionadas que sejam, por mais experientes e cultas que sejam, não são um bom caminho para combater a depressão em suas raízes.

É bom que a pessoa em tratamento se informe sobre a depressão, do mesmo modo que seus familiares e próximos, de modo a compreendê-la, desde que as informações venham de fontes confiáveis, que tenham base comprovada no conhecimento científico. É preciso tomar muito cuidado e ser muito crítico com vídeos, lives, mensagens edificantes e textos de autores não autorizados que rolam pela internet.

Concluindo, repito: a depressão é um distúrbio e há tratamento para ela. Superada, a pessoa volta a ser o que era antes, ou seja, ela não causa danos permanentes. Quanto mais cedo reconhecida e tratada, mais se aplica essa afirmação. É uma desordem que não escolhe idade para se instalar, e seu tratamento em idades mais avançadas não é menos promissor do que em fases anteriores da vida.

(*) Psicóloga, professora universitária e psicoterapeuta, doutora em Psicologia pela PUC-SP. Fundou e coordena até hoje o Ideac – cujo foco principal, desde 1992, é a Psicologia do Envelhecimento. É autora, entre outras obras, de Depressão e Maturidade (ed. Plano, 2003) e de Velhice, Uma Nova Paisagem (Ágora, 2017).

 

 

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