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ESTRESSE – Vários tipos e tratamentos

Dra. Maria Celia de Abreu (*)

 

Quando você percebe que está dentro de uma situação que representa perigo, que é ameaçadora, você automaticamente tem uma reação de adaptação: a fisiologia do seu corpo e o seu psiquismo entram em alerta, para fugir daquela situação, ou enfrentá-la e lutar, conforme você decidir que é mais conveniente. É uma reação normal de adaptação a uma questão ambiental; é bom que assim seja, pois esse mecanismo garante a sobrevivência. Dizemos que o organismo entrou em um processo agudo de estresse, o que permite que ele se defenda, se proteja.

Mas… sempre há um “mas”, e aqui não é diferente… o que é originalmente uma boa resposta de adaptação pode se tornar prejudicial, se ela durar por um tempo prolongado. A reação do estresse libera um hormônio chamado cortisol, o que é perfeito para nos deixar em alerta; só que se o cortisol não for reabsorvido, e continuar a ser produzido, essa presença em doses altas e prolongadas vai causar, entre outros desequilíbrios, aumento da taxa de açúcar no sangue, aumento da pressão arterial, aumento da probabilidade de um acidente vascular cerebral (AVC), diminuição da imunidade. Então, aqui, já estamos diante da desordem do estresse.

O estresse como distúrbio ou desordem é uma síndrome, ou seja, é desencadeado por uma causa ou por mais de uma causa, bem como se manifesta por um conjunto de sinais. Por si só, ele prejudica a qualidade de vida; além disso, pode abrir portas para outros distúrbios secundários a ele, como câncer, insônia, doenças de pele (por exemplo, vitiligo, psoríase…), depressão, ansiedade, prisão de ventre, flatulência etc.

Por vezes é fácil entender o que leva alguém a ficar estressado, mas às vezes são situações sutis, só que igualmente prejudiciais. Um exemplo pode explicar melhor o que estou querendo dizer: suponha que uma pessoa mais velha se aposenta, reside com a família, em paz e harmonia, e na distribuição das tarefas domésticas cabe a ela ir todas as manhãs à padaria; parece justo, racional e tranquilo… e ninguém entende porque esse aposentado começa a ficar estressado – talvez nem ele mesmo; mas é simples: para chegar na padaria, na ida e na volta, ele precisa atravessar a pé uma avenida larga e movimentada, cujos semáforos não lhe dão tempo suficiente para ir de um lado ao outro; são poucos quarteirões, mas rodam pela vizinhança vários relatos de assaltos por ali; um ou dois funcionários da padaria, que o conhecem de longa data, jogam para ele frases “brincalhonas”,  ressaltando o quanto a vida dele agora está folgada. Do ponto de vista da fisiologia, todas as manhãs esse aposentado é inundado de cortisol… e essa somatória cria, insidiosamente, o estresse. Nosso aposentado não precisou ser preso, sofrer violência explícita, viver em pobreza extrema ou coisa parecida para entrar em estresse.

É interessante reparar que avaliar uma situação como ameaçadora ou perigosa varia de individuo para individuo. Está envolvido aí o processo psicológico da percepção, que supõe uma interpretação pessoal, uma atribuição de significado que depende, entre outros fatores, de características de personalidade e do trajeto de história de vida. O aposentado do nosso exemplo acima poderia interpretar as frases dos funcionários da padaria como manifestações de alegre camaradagem, em vez de “bullying”, ou o ser obrigado a correr pela avenida para fugir dos carros como uma espécie de esporte até engraçado.

Algumas características tornam para algumas pessoas mais difícil a adaptação ao ambiente e então elas se tornam naturalmente mais propensas ao estresse. Quem é por natureza excessivamente preocupado, perfeccionista, pessimista (aquele que presta mais atenção no lado negativo dos fatos, na metade vazia do copo), persecutório (acha que estão falando mal dele pelas costas, acha que está no topo da lista dos eventuais demitidos do escritório), tem baixa autoestima (se considera de antemão incompetente para lidar com momentos difíceis) – tendem a perceber como ameaçadora uma situação que pode até não o ser. Porém, essas características só facilitam que a pessoa se estresse: não são uma lei absoluta.

Deriva daí a importância do autoconhecimento: quem reconhece em si tais características fica atento para não se deixar estressar sem razão objetiva. A psicoterapia é o melhor instrumento que conheço para aguçar o autoconhecimento. No processo psicoterapêutico a pessoa também pode ressignificar eventos do passado, bem como adequar a autoestima à realidade objetiva e reaprender a perceber o mundo ao seu redor de um modo mais construtivo.

As causas do estresse crônico podem ser remotas, o que as torna difíceis ou impossíveis de serem identificadas; podem ser experiências traumáticas antigas, até mesmo acontecidas durante a infância, que ficam incorporadas na memória do dia a dia da pessoa e permanecem ao longo da vida. Ou podem ser causas recentes, mais visíveis, como ter que permanecer em estado de alerta por um tempo prolongado, ou ser submetido a um acúmulo diário de pequenas situações estressantes – como ser obrigado a dirigir duas horas no trânsito congestionado para chegar ao trabalho todos os dias, ou a embarcar num vagão de metrô superlotado. Quando temos um estresse crônico na situação de trabalho, o resultado costuma ser o burn out (anglicismo que já assumimos como nosso). Há o estresse pós-traumático, que se instala depois de uma experiência traumática repentina, como um assalto, um rapto, um raio, uma inundação.

Já disse, mas repito: há um estresse agudo, adaptativo, que tende a se dissipar sem tratamento, e um estresse crônico, que é o que agora mais nos interessa.

Como o estresse transita pelo físico, emocional e ambiental, há mais de um tipo de profissional que pode ajudar no diagnóstico e tratamento: psicólogo clínico, médico geriatra, enfermeiro, médico psiquiatra, médico clínico geral, assistente social, fonoaudiólogo, dentista, como exemplos. O ideal, nem sempre possível, é que o tratamento seja feito por uma equipe multiprofissional, para alcançar todas as facetas do estresse.

Esse profissional, ou essa equipe multiprofissional, ajuda a pessoa a fazer algumas coisas:

. reconhecer sinais de alerta, aqueles sintomas que avisam que ela está em estresse, e de que a qualidade de vida dela foi rebaixada; simultaneamente, estar motivada para vencer essa desordem e voltar à condição de vida anterior;

. descobrir maneiras de não se deixar dominar por uma situação potencialmente estressante;

. reconhecer situações capazes de liberar endorfina, ou seja, situações que gerem prazer, ir atrás delas ou cria-las, porque elas neutralizam o estresse;

. rever e reformular hábitos físicos cotidianos de sono, alimentação, exercícios corporais;

. rever condições socioemocionais e, se for o caso, reformulá-las: lazer, hobbies, relações familiares, relações de trabalho, relações afetivas de modo geral, projetos de vida, visão de mundo, incluindo as esferas da família e do trabalho, idadismo.

Sim, nunca é demais repetir que o preconceito, as falsas crenças sobre o envelhecimento, podem gerar uma dissonância cognitiva, ou um tolhimento do potencial de desenvolvimento, e ser gatilhos para o estresse.

Fazer todas as ações que listei acima, e quem sabe algumas mais, é tarefa muito difícil de se empreender sozinho, ou só com o apoio, por mais afetivo que seja, de pessoas próximas. É importante entender que o estresse é um distúrbio e é preciso ir atrás de tratamento para ele – qualquer que seja a faixa etária de quem esteja em situação de estresse.

(*) Psicóloga, professora universitária e psicoterapeuta, doutora em Psicologia pela PUC-SP. Fundou e coordena até hoje o Ideac – cujo foco principal, desde 1992, é a Psicologia do Envelhecimento. É autora, entre outras obras, de Depressão e Maturidade (ed. Plano, 2003) e de Velhice, Uma Nova Paisagem (Ágora, 2017).

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