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Nós, os Avós…

Por Marli Corrales Henriques (*)

O nascimento de um neto traz uma nova etapa nas relações familiares, principalmente no mundo atual em constante transformação. A imagem de avó internalizada era a vivida por Dona Benta, do Sitio do Pica-pau Amarelo, uma avó doce, disponível e que contava histórias maravilhosas. O mundo mudou, nós mudamos, nossos filhos mudaram, só não mudaram os sentimentos; estes sim, permanecem os mesmos.

Hoje vivemos mais, cuidamos de nossa saúde, frequentamos academias, trabalhamos fora, estudamos, ou seja, temos uma vida ativa, mesmo sendo mais velhos que aquela avó do Sítio do Pica-pau Amarelo. Apesar disso, muitos avós conseguem arrumar espaço para o cuidado dos netos, para o carinho e a disponibilidade.

Quem tem hoje mais de 60 anos viveu a aprovação do divórcio, as primeiras experiências de casamento informal, conviveu de forma mais equilibrada a relação entre homens e mulheres, aprendeu a ouvir e respeitar os filhos, a entender e trabalhar com os novos recursos tecnológicos e as mídias sociais. Enfim, seu mundo é bastante diferente do que o de seus pais.

A mesma diferença aparece para os filhos e filhas dessa geração mais velha: são profissionais, cuidam de suas carreiras, o que implica em fortes exigências, se especializam e, muitas vezes, são obrigados a estar ausentes de seus lares; aí entra a questão de poderem contar com os avós para dar conta da educação dos seus rebentos. Surge a oportunidade de se estabelecer um vínculo precioso entre avós e netos.

No meu caso, os avós dos meus filhos participaram muito da vida deles, oferecendo seu tempo e atenção, concretizados em uma comida gostosa, um passeio divertido, férias na praia… tudo recheado de muito afeto. Por ter testemunhado a participação dos meus pais na formação de meus filhos, e percebido a grande importância disso, hoje valorizo muito meu papel de avó que estabelece uma relação participativa com os netos. Claro que tudo o que estudei e todas as experiências que tive na prática da Psicologia têm sua parte no que sou hoje, mas a vivência, o exemplo, me parecem como tendo o peso maior.

Hoje sou muito presente na vida dos meus netos, sou aquela avó que busca espaço na agenda de trabalho para viver um novo momento: brincando, passeando, viajando, buscando na escola, levando ao clube, ao futebol, ao balé, ajudando nas lições de casa etc. Sinto prazer nesses momentos com eles, muitas vezes, uma via de mão dupla, onde não apenas posso ajudá-los com minhas experiências, posso também aprender com eles as mudanças desses novos tempos. Na casa da vovó montamos cabanas, dormimos na sala todos juntos, jogamos futebol, fazemos slimes, montamos jogos, são momentos de prazer e alegria.

Esse meu relato tem a ver com minhas possibilidades atuais. Não é possível generalizar, não é possível traçar um perfil padrão dos avós de hoje, pois muitas são as variáveis que modificam este papel; as circunstâncias de vida, as condições de saúde, a classe social, a disponibilidade econômica a bagagem cultural. Vivemos essa prática de múltiplas formas, mas sempre com contribuições importantes.

Os avós que somos hoje está ligado aos filhos que fomos, aos pais que tivemos, aos pais que fomos, aos avós que tivemos, aos avós que nossos filhos tiveram. Isso nós não escolhemos, está impresso em cada um de nós. Um neto é um novo olhar para o futuro.  Os papeis na dinâmica familiar ficaram complexos, há exigência de que nós fiquemos mais inteiros em cada função que exercemos

As experiências dentro de minha família (e meus conhecimentos de Psicologia) me levam a concluir que a arte de ser avós consiste, antes de tudo, na arte de ser pais de filhos adultos, ter equilíbrio, estar disponível, mas não ser invasivo. Nossos filhos precisam de apoio e reconhecimento.

As perdas, as dúvidas, os medos, as ansiedades existirão sempre, mas é também a oportunidade de passar nosso conhecimento para o outro, dar afeto, colaborar e mostrar novas possibilidades. Os novos pais têm o direito de experimentar e errar, assim como nós experimentamos e erramos também.

É importante o respeito, a coerência, a confiança e a segurança para que as relações sejam ricas de aprendizagens. As divergências não são problemas, não precisamos pensar igual, e sim respeitar as diferenças. Os conflitos, no entanto, não são saudáveis.

 Felizes aqueles que, ao vasculharem as memórias de infância, encontram na casa dos avós um lugar rico de afetos, harmonia e leveza. Nossos filhos desejam contar com nossa segurança e autoridade, querem apoio às posturas que têm com seus filhos para ampliar e melhorar o desempenho deles nos novos papéis. Sem, contudo, competir com eles.

Meu modo de pensar é ilustrado pelas palavras de Lidia Aratangy  e Leonardo Posternak no livro “Na casa dos avós sempre é domingo? “. Destaco um trecho:  “… a arte de ser avós é apenas um aspecto privilegiado da arte de ser pais de filhos adultos, de partilhar ideias e experiências dentro da nova condição de simetria que os filhos atingem ao se tornarem pais. A adequação, cooperação e prazer com que se assume o novo papel dependem de como se fez a transmissão de informações e valores para os filhos, para que estes possam afastar-se dos pais e fundar uma nova família sem fazer rupturas dolorosas”.

(*) Marli Corrales Henriques é psicóloga, especialista no atendimento de  crianças e adolescentes

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Lucy de Araujo
Lucy de Araujo
28 dias atrás

Oi Marli, parabéns pelo relato. Essa é a imagem e postura que sempre nos ofereceu. Não sou avó, mas, acompanho os avós do nosso grupo e dos familiares. Realmente é uma dádiva ter os netos para cuidar e se divertir.

Cleide Martins
Cleide Martins
28 dias atrás

Sempre que vejo as fotos de Marli e seus netos penso que eles devem ser muito abençoados com a avó moderna que não deixou de incorporar as boas raizes de seus afetos ! Muito grata por compartilhar !

Tatiana
Tatiana
28 dias atrás

Marli, um prazer “viver” um pouco de sua história de mãe e avó de um bom número de pessoas. Uma gostosura ler e sentir!!!

Sónia Fuentes
Sónia Fuentes
28 dias atrás

Parabéns Marli pelo lindo relato tão profundo e bem verdadeiro. Quem te conhece sabe que você não tem nada a ver com a Dona Benta fisicamente, mas a doçura é muito maior não só com os netos mas aos que te rodeiam.

Jader Andrade
Jader Andrade
28 dias atrás

Perfeito Marli! Um manual para este aspecto do envelhecimento de tornar-se avô, sobretudo entender o processo de nos tornarmos pais de filhos adultos.

Maria Lucia Di Giovanni
Maria Lucia Di Giovanni
27 dias atrás

Parabéns Marli! COmo é bom ler o seu texto! Seu relato orienta e nos faz pensar na nossa própria experiência de mãe e avó. Sua foto cercada de netos é uma inspiração.
Obrigada!

Suely Tonarque
Suely Tonarque
26 dias atrás

Marli querida o seu texto é muito rico.

Vc é uma avó diferenciada.
Viva a sua avosidade