Dra. Maria Celia de Abreu (*)
Este texto trata de propósito de vida: tema que tenho visto com frequência ultimamente nas mídias escritas, na internet, em palestras etc. Para quem quiser se aprofundar na compreensão de qual é a importância de se ter um propósito na vida, sugiro a leitura emocionante do livro Em Busca de Sentido, de Viktor Frankl. Aqui, só pretendo passar algumas informações básicas, junto com o encaminhamento de algumas reflexões; será ótimo se esses elementos forem significativos para o leitor, a ponto de provocarem comportamentos.
Será que uma pessoa mais velha precisa de propósitos? Não basta tudo o que ela já vivenciou e tudo o que já fez por outros, pela natureza, pela sociedade? A resposta é: não basta. A pessoa mais velha continua sendo um ser vivo, um ser social, um ser psicológico e um ser livre. Nenhum adulto, qualquer que seja sua idade cronológica, está dispensado de se esforçar para identificar e perseguir propósitos, sob pena de rebaixar muito sua qualidade de vida. Costumo dizer que, na estrada que simboliza nossa existência, não existe a possibilidade de ficar estacionado: ou andamos para a frente, ou andamos para trás. Quando achamos que estamos parados, na verdade estamos andando para trás: decaindo, deteriorando, adoecendo, estreitando horizontes.
Ter metas, e superar os desafios que se apresentam para atingi-las, é fundamental para se ter aquela sensação única e reconfortante de profundo bem-estar, de dever cumprido, de pertencimento, de plenitude, e isso vale em todas as faixas de idade. É o que dá sustentação à nossa sobrevivência, inclusive sob condições terríveis, como aconteceu com Viktor Frankl em um campo de concentração nazista.
Um propósito organiza nossa vida psíquica. Dá um norte para nossas escolhas, um significado para se estar vivo, uma orientação para exercermos a liberdade. No propósito, coabitam o psicológico, o físico, o espiritual, o filosófico, o ambiental, e todas essas dimensões precisam ser levadas em conta, e alinhadas harmonicamente, pois, afinal, o ser humano é tudo isso.
Ele sustenta a autoestima e a satisfação com o existir, proporciona uma visão mais positiva do mundo e aumenta a resiliência diante de desafios. Quando perseguimos um propósito, temos uma sensação de utilidade e de produtividade. Todos esses benefícios psicológicos diminuem bastante o risco de depressão e de ansiedade; quando se olha para as pessoas mais velhas, percebemos com clareza o papel importante que esses benefícios têm para a saúde emocional.
No âmbito físico, sabe-se que idosos com um forte propósito de vida são muito pouco sujeitos a alguma demência cognitiva e a doenças cardiovasculares, como um AVC (acidente vascular cerebral). Não só nas atividades físicas, mas igualmente nas sociais, são os que melhor se desempenham, e já está bem demonstrada a importância da socialização para a longevidade saudável.
O leitor que já se convenceu da importância de se ter propósitos agora deve estar pensando em como pode fazer para descobri-los.
A primeira coisa a saber é que isso envolve esforço. Dá trabalho. Exige tempo, energia e iniciativas. Não vai despencar dos céus e cair no colo de alguém passivo. Pior: não adianta querer saber o propósito do outro para copiar ou adotar, porque não vai servir para você. O propósito é absolutamente pessoal. Afinal, cada um de nós é único… apesar da enormidade de gente que habita a Terra, cada um de nós é único.
Para descobrir o propósito (ou propósitos), na etapa de vida em que se está, é preciso responder, com enorme honestidade e o máximo de profundidade possível, a questões como: quais são meus melhores dons? Em que é que sou de fato bom/boa? É preciso dar respostas pessoais a questões do tipo:
. quais são meus pontos fortes, minhas melhores qualidades, meus dons, para que eu possa colaborar com humanos próximos? Com outros seres vivos? Com o mundo? O universo?
. se minhas melhores qualidades, que são só minhas, definem qual é minha missão nesta vida, como posso descobri-las?
. depois que eu morrer, o mundo vai estar um bocadinho melhor do que quando eu nasci, por minha causa?
Claro que, por ser psicoterapeuta, tenho a honesta convicção de que a melhor estratégia para lidar com essas perguntas é a psicoterapia: dar respostas a tais questões pede autoconhecimento. Mas… humildemente… admito que se pode chegar às respostas por outros meios, como por exemplo: auto-observação, autoavaliação, feedbacks de outras pessoas sobre nossos comportamentos e nosso modo de ser.
Junto com as reflexões, é preciso agir. Propósito não é uma ideia sem consequências; cria uma boa sensação psicológica, mas também provoca ações. Aqui há uma condição que pode ser bem difícil de ser preenchida: entre ideia e ação, deve haver coerência. Quem lembra do antigo chiste popular: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço? Pois bem, coerência é por aí… Resumindo, para descobrir meu propósito, dentro da minha etapa atual de vida, preciso me conhecer, me informar, refletir, experimentar agindo, avaliar, recomeçar.
Desculpe se algum leitor tinha a ilusão de que ser velho e saudável era fácil, não dava trabalho, e eu acabei com ela. Espero que o texto tenha reforçado coisas já sabidas pelos leitores, e provocado pontos para se refletir.
(*) Dra. Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de vários livros, entre eles, “Velhice uma nova paisagem” (Ed. Summus)
(Foto Jader Andrade)
É que o propósito seja divertido e prazeroso.
Muito bom
Verdade Sonia, o importante é não parar e procurar o que pode trazer prazer ao envelhecer. Abraços e obrigado pelo retorno
Esse texto da Maria Célia, assim como outros, abre muitas brechas para a auto reflexão. Também li o livro Em Busca de Sentido. Fiquei muito tocada com seu pensamento, diante das dificuldades da vida.
Encontrar um sentido faz a diferença
Por isso mesmo é importante propor essa reflexão no início deste ano, sempre é tempo de buscar metas, objetivos, propósitos que valem a pena no envelhecer. Abraços
Ótimo texto, vou poder usá-lo para discussões com alguns pacientes!
Obrigado pelo retorno. Que bom que gostou e que poderá utilizar, esse é o melhor resultado para quem escreve. Abraços
Parabéns Maria Célia, gostei bastante do texto, tira a ilusão do velho que deseja um dia parar. Não pode! Vamos em frente, estar atuante, fazer parte de grupos se divertir, ir a concertos, ter sonhos a realizar.