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Conheça um universo de informações para um envelhecimento saudável.

Sobre estresse, ansiedade, depressão… e idadismo

(*) Dra. Maria Celia de Abreu

 

Ao longo de meu longo caminho buscando conhecer melhor o envelhecimento, e nos meus mais de trinta anos de prática clínica, com frequência deparei com três desordens sobre as quais nem sempre se tem informações corretas, embora não sejam incomuns: estresse, ansiedade e depressão. Por “corretas”, quero dizer informações fornecidas pela ciência, em contraposição ao senso comum – lembrando que a Psicologia é a ciência em cujas águas mais navego.  Este texto é para alertar, dentro de uma visão panorâmica, sobre o que existe em comum no que gosto de chamar de “um trio da pesada”, emprestando o nome de um filme de 1989, na tentativa de levar um toque de humor para situações reconhecidamente difíceis.

Estresse, ansiedade e depressão são desordens, são distúrbios; estão reconhecidos no CID – Classificação Internacional das Doenças, um guia publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Não podem ser reduzidos a uma visão orgânica; abrangem disfunções biológicas, emocionais e ambientais, e seu tratamento precisa, portanto, considerar essas três frentes. São classificados como desordem quando atingem um nível de intensidade tão grande que passam a prejudicar a qualidade de vida de alguém. Daí, é preciso corrigir a rota da vida dessa pessoa, para que ela retorne ao seu curso habitual, positivo.

Às vezes emprestamos o sentido científico dessas palavras para um discurso popular, referindo a situações cotidianas que não são distúrbios; podemos dizer:

            . “preciso descansar neste fim de semana, porque discuti com meus filhos e fiquei estressado”;

            . “passei o dia de ontem acabado de tanta ansiedade, mas daí dormi bem e acordei totalmente recuperado”;

            . “fiquei muito deprimida quando vi que o novo cachorro do meu vizinho é muito mais bonito do que o meu” …

O perigo do emprego de palavras com dois sentidos diferentes é de fazer uma confusão que pode prejudicar o diagnóstico e o tratamento dos distúrbios propriamente ditos, não percebendo que não são situações aceitáveis.

Os fatores que causam o estresse, a ansiedade ou a depressão podem ser aproximadamente os mesmos, em combinações diversas, assim como as suas manifestações se sobrepõem e se confundem. Nem sempre são distúrbios primários, ou seja, a primeira desordem a se instalar na pessoa; podem ser secundários a um outro distúrbio original – que fica mascarado pelo secundário, o que não quer dizer que não esteja presente.

Porém, são distúrbios distintos, que pedem tratamentos diferentes. Daí a importância de um diagnóstico, e a necessidade desse diagnóstico ser feito por um profissional, que estudou e foi treinado nessa área. Talvez a ciência progrida e em breve essa situação seja diferente, mas, por enquanto, só o estresse tem alguns indicadores de presença num exame de sangue, o que não significa que seu diagnóstico dispense a constatação clínica; o diagnóstico da ansiedade e da depressão são clínicos.

Em outros textos, postados no blog do Ideac, trato de cada um em separado. Aqui, apenas quero chamar a atenção para três pontos, para três formas de pensar, que não podemos mais aceitar:

Uma é o fato de que esses distúrbios precisam ser reconhecidos como desordens, são passíveis de tratamento e são reversíveis, trazendo a pessoa de volta à qualidade que sua vida tinha antes deles se instalarem,

Outra forma de pensar é estar fixado em afirmações que eram tidas como verdadeiras no passado distante, ignorando o enorme progresso que existiu na pesquisa em psiquiatria, farmacologia, psicologia e psicoterapia, entre outras áreas da ciência; dói constatar que crenças defasadas ainda vigorem; querem exemplos?

“Psicoterapia não é para mim. Sou forte. Sou batalhador. Sou inteligente. Não sou louco. Meus problemas, eu que resolvo, sozinho”;

 “Há cinquenta anos meu primo se viciou num remédio – e era um médico que  prescrevia. Foi um custo se livrar disso. Eu que não vou tomar remédio, aprendi bem a lição lá atrás”.

Finalmente, quero ressaltar que as afirmações que fazemos sobre o estresse, a ansiedade e a depressão são válidas para pessoas mais velhas. Crenças antigas, arraigadas, fruto do idadismo que habita nossa sociedade, levam à falácia de negá-los ou ignorá-los no idoso, confundindo as desordens com características esperadas do envelhecimento. Todo preconceito encerra um erro fortemente prejudicial: para quem luta com uma dessas desordens, para quem convive com essa pessoa e para a sociedade global.

(*) Psicóloga, professora universitária e psicoterapeuta, doutora em Psicologia pela PUC-SP. Fundou e coordena até hoje o Ideac – cujo foco principal, desde 1992, é a Psicologia do Envelhecimento. É autora, entre outras obras, de Depressão e Maturidade (ed. Plano, 2003) e de Velhice, Uma Nova Paisagem (Ágora, 2017).

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