Maria Celia de Abreu (*)
O que posso fazer, como profissional idosa, em prol de profissionais jovens, é compartilhar o que estudei, aprendi, investiguei, observei, refleti, conclui. São informações a serem assimiladas, originadas da pesquisa, e valores, originados de reflexões, a serem avaliados pelo crivo crítico do profissional jovem. Vão ajudar a modular as ações dele. Como não poderei falar sobre tudo, fiz uma seleção – o que, diga-se de passagem, não foi fácil.
Para começar, quero reafirmar duas ideias: uma inserida num quadro de valores, de princípios filosóficos, pelos quais oriento minha prática profissional, e a segunda derivada de dados trazidos por pesquisas (em outras palavras, incontestável).
1ª. A estrada da vida de cada pessoa é única, é só dela. Portanto, cada um tem que descobrir seus caminhos e suas soluções; não dá para viver a vida de outro. A consequência prática dessa verdade é que você não faz escolhas pelo outro, você não manda na trajetória de seu cliente, você apenas facilita que o seu cliente consiga aquilo que ele decidiu que é bom para ele.
2ª. Quanto mais velha a faixa etária, mais o grupo etário é heterogêneo. Portanto, não dá para fazer generalizações quando se trata de pessoas idosas. Não dá para receber um cliente velho e ficar entusiasmado porque ele é um sábio e vai enriquecer você com as ideias dele, assim como não dá para ficar aborrecido porque ele é um chato e vai amolar você durante seu atendimento. Ninguém é sábio porque ficou velho, ninguém é impertinente porque ficou velho; nem todo velho é sábio, nem todo velho é impertinente.
Em seguida, quero lembrar que velhice e envelhecimento são conceitos diferentes, embora facilmente confundidos.
Velhice é um construto social – a classificação de uma pessoa na categoria velhice depende fortemente de fatores culturais, do momento histórico.
Por exemplo: imagine uma pessoa de 60 anos de idade. Nos anos 40 do século XX, (que foi quando eu nasci), uma pessoa de 60 anos era, sem dúvida, considerada velha. Nos anos 40 do século XXI dá para prever que uma pessoa de 60 anos (alguém que hoje está em torno dos 40 anos de idade) não será considerada velha.
Envelhecimento é um processo natural, inevitável e universal da espécie humana.
Não adianta disfarçar, renegar, mentir, ignorar: o envelhecimento acontece. Envelhecimento não é uma patologia. Não se cura o envelhecimento.
Há linhas de pesquisa buscando retardar e até reverter o envelhecimento biológico, por enquanto com resultados muito vagos, mas eu, como psicóloga, me pergunto: mesmo que isso seja alcançado em relação às funções fisiológicas, como fica o desenvolvimento da personalidade? E o desempenho dos papéis sociais? E a evolução da espiritualidade nessa pessoa? Continuo acreditando no envelhecimento com as características que descrevi acima.
Se todos nós envelhecemos… você vai envelhecer. É natural. Não faz parte de sua vontade “não envelhecer”. Mas pode fazer parte de sua vontade não evoluir para um ser humano desatualizado, mal-humorado, intransigente, fora de moda, malcuidado, chantagista, desinteressado, deselegante, malcheiroso etc etc etc . Claro que se você contar com condições familiares, sociais, educacionais, ambientais, alimentares, genéticas favoráveis, será mais fácil e mais provável de você alcançar um envelhecimento ativo, pleno, produtivo, participante do mundo, influente, sedutor, elegante, cuidadoso consigo, independente e autônomo; sua margem de opções é bem mais ampla. Caso contrário, é mais restrita, mais complicada, só que existe.
Por último, quero fixar a ideia de que a gerontologia é um campo vasto e multifacetado. Não dá para um único profissional cobrir todos os conhecimentos relacionados com o envelhecimento. Não dá para ser especialista em tudo. Entretanto, antropólogos, assistentes sociais, cuidadores, dentistas, educadores físicos, enfermeiros, gerontólogos, guias turísticos, médicos, nutricionistas, pedagogos, psicólogos, terapeutas educacionais… (ufa, e os campos não se esgotaram…) se trabalham com o envelhecimento, precisam ter claro que a própria especialização não é a única, nem a melhor.
Há outros pontos de vista, outras abordagens, igualmente importantes. Não é possível cobrir todos, temos que fazer opções, mas é possível – mais que isso, é aconselhável – ir em busca de informações nas áreas mais diversas, mesmo que sem se aprofundar nelas, pois seu cliente não é composto de um único aspecto.
Para ser fiel ao meu costume, e para encerrar este pequeno texto, vou fazer minha provocação, com uma pergunta cuja resposta é para ser encontrada depois, com calma, de preferência discutindo com colegas, sem julgamentos… Você está aberto a considerar o envelhecimento sob óticas diversas, extrapolando sua área de especialização? Já pensou que essa postura pode tornar seu desempenho profissional melhor?
(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de “Velhice, uma nova paisagem” (Ed. Summus)