Por Suely Tonarque (*)
Quem de nós não ficou bons momentos admirando uma vitrine da Rua Augusta com um belo vestido de linho? Que caída tem o linho! Esculpe nosso corpo. Quem não se encantava com o galã da novela das 19 horas, que volta e meia vestia uma camisa de linho branco, suficientemente amarrotada para deixá-lo mais charmoso?
São peças elegantes, atemporais e de qualidade. O linho é um tecido bastante versátil. Devido ao seu aspecto rústico, costuma ser usado tanto em peças sofisticadas, como também em modelos casuais.
Separei um vestido de linho, um tecido confortável e duradouro. Com uma linha e uma agulha consigo costurar meu vestido de linho, faço um remendo aqui, bordo uma flor na parte de cima, bem colada ao decote, escrevo uma frase a cada passagem no final de ano e batizo com o nome Vestido de Linho para cada entrada de Ano Novo. Frases que já bordei:
* O sonho continua;
* O bem maior é a vivência;
* Outra travessia;
Aprendi este jeito de aproveitar o mesmo vestido sempre nas entradas do Ano Novo e me despedindo do velho ano, com uma grande amiga – tive apenas três encontros com ela, todos muito ricos – chamada Joaquina. Jô foi um encontro encantado, não podia participar do grupo das Bordadeiras, porém, em um encontro, ensinou e compartilhou coisas bonitas, como bordar frases no meu vestido de Ano Novo. Obrigadíssimo Jô!
O tecido linho provém de uma planta herbácea que pertence à família das lináceas. Feito com fibras naturais, combina com o verão, é visto como um tecido que “respira”, representa frescor para os dias quentes.
É considerado um tecido nobre e por isso seu preço é alto. É de fato o tecido vegetal mais antigo da história do homem. Sustentável e ecológico, produzido a partir de hastes da planta do linho e sem muitos produtos químicos, é usado antes do algodão e outras fibras. É também associado ao luxo e à riqueza. A fibra foi descoberta há mais de 36000 a.C., conforme registros históricos recentemente descobertos. O tecido teve seu uso até em construções de moradias pré-históricas.
Hoje, o seu acentuado uso está associado ao retorno ao natural e à espiritualidade. Em vestimentas tem registros desde 8000 a. C. e datam as primeiras fibras de linho tingido de até 36000 a.C. Suas tramas acompanharam a história da humanidade de perto: era popular no Egito antigo, no vestuário e como tecido de enterro, no qual as múmias eram embrulhadas.
Os fenícios exportaram para a Europa entre os séculos 12 e 8 a. C., onde começou a tradição de produção de linho nesse continente.
Durante o século XIX, o linho foi utilizado para a confecção de roupas intimas e só no século XX ficou popular para blusas, paletós, saias, vestidos, calças, entre outras peças.
No mercado nacional, na década de 80, o puro linho Braspérola ganhou novas tramas e estampas; algumas grifes nacionais explodiram na passarela.
Em 1983 Gilberto Gil compõe “A linha e o linho” e canta:
É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia a dia
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O zig- zag do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa, da paixão.
A sua vida o meu caminho, nosso amor
Você a linha e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado
A casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza.
O linho é apresentado e representado nesta canção por Gilberto Gil, o tecido mais antigo e nobre, com tramas e dramas parecidos, semelhantes à Natureza Humana. Para manter a nossa vivência necessitamos de cuidados, aconchegos, afetos, amigos, entrelaçando as tramas do Bem Viver, com sabedoria para lidar com os dramas da existência.
Como escreveu Fernando Pessoa: “Há um tempo em que é preciso recosturar, reformar, reaviver as nossas roupas usadas que tanto nos deram alegria quando novas e que hoje apesar de gastas continuam quentes, macias e confortáveis porque possuem o formato de nosso corpo. Não devemos esquecer nossos antigos caminhos só porque achamos que nos levam sempre aos mesmos lugares, devemos aproveitá-los para encurtar a distância que nos leva a novos. É tempo de travessia: temos que ousar em fazê-lo para nunca ficarmos a margem de outro”.
Vamos buscar novos sonhos, explorar novos tecidos, tecer novos relacionamentos, sem descuidar do Velho Vestido, enfeitando com novas cores ao bordar…
… bordar com esperança o ano que chega e deixa ir embora aquilo que nos machucou e nos entristeceu, ir em busca da linha e construir novos caminhos com as cores que se apresentam.
(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloga e especialista em moda no envelhecer
Gostei!! Especialmente da ideia da roupa anualmente modificada por uma nova marca bordada.
Que lindo texto!!!! E obrigada pela lembrança do nosso encontro!!
Estou no vale do Jequitinhonhs , perto de Diamantina , e tive a opotunidade de ir numa comunidade, em Milho Verde , Mg , conhecer bordadeiras, lindos trabalhos!!
Comprei um vestido de cor laranja , de linho e com lindos bordados!!
Ayeres Brandão: Me peguei lembrando dos vestidos de linho que tive. Mas especialmente um roxo/ lilás, quando fazia faculdade em São Jose do Rio Preto.Me deixava colorida, Quando o vestia o mundo olhava para mim. E eu me sentia parte do mundo!!!@! Foi bom sonhar com aquele tempo e especialmente com aquele vestido de linho!!!!
Que texto puro, leve, lindo, que ensina, renova, instrui e embeleza! Adoro linho, parabéns Suely, amei!
Olá! Um prazer ler o seu texto,… que informa e ao mesmo tempo diverte. O linho é realmente atemporal e o bordado transformam as peças em únicas e as tornam especiais…
Texto maravilhoso…..amo linho mas não sabia muito sobre sua origem…..e este conto do vestido amei….. obrigada Suely por sua generosidade em compartilhar.
texto interessante