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Conheça um universo de informações para um envelhecimento saudável.

Moda é uma coisa, estilo é outra coisa.

Maria Celia de Abreu (*)

Quer saber por que acho que participar do Ideac é um privilégio? Entre outras vantagens, porque graças à versatilidade dos participantes do Ideac eu me enfronho em campos do conhecimento dos quais normalmente não me aproximaria, e me sinto estimulada a refletir sobre eles; até mesmo a melhorar meus comportamentos cotidianos.

Moda, “Envelhecimento, Velhice e Corpo”, de Suely Tonarque, porque ele está no Projeto “Um Novo Olhar sobre o Envelhecimento” do Ideac, de oficinas e cursos online. Quantas reflexões ele despertou! Foi um inesperado enriquecimento! Relacionei o que aprendi lá com as sábias recomendações de Sônia Fuentes no curso “As Várias Faces do Cuidar de Si,” do mesmo Projeto.

Pode parecer estranho que autocuidado seja associado tão de perto à moda… mas, surpreenda-se: são áreas altamente relacionadas. E ainda por cima são informações muito importantes para quem está vivenciando a velhice e lutando para se livrar dos preconceitos que habitualmente acompanham o envelhecimento – como eu discuto no curso “Conceitos, Preconceitos e Fatos”, também do projeto do Ideac. Todas essas fontes levam a reflexões teóricas, abstratas, e ao mesmo tempo a medidas práticas perfeitamente possíveis de serem tomadas no dia a dia. 

Na peça de teatro “Capital Estrangeiro”, de Silvio de Abreu, o personagem principal, interpretado por Edson Celulari, diz uma frase que arranca gargalhadas da plateia: “Uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa”. Essa frase serve como uma luva para dois conceitos que Suely nos ensina que são distintos: estilo e moda.  

Moda, o prosaico uso cotidiano das roupas, é considerada como um fenômeno sociocultural, inserida no complexo panorama político, social, econômico e religioso de uma determinada sociedade em uma determinada época histórica. Vista assim, a moda resume os valores de um grupo, com seus recursos, usos e hábitos.

A moda determina padrões e tendências, que nesta nossa época de globalização, sustentada fortemente pela propaganda, veiculada massivamente pelas mídias, torna-se uma imposição muito forte. Moda está relacionada com oferta e com as conveniências do mercado. Quanto mais consumidores, melhor. Em consequência, é descartável – o que faz sucesso hoje, tende a sair de moda na próxima temporada. A moda combina com cartão de crédito, com frequentes idas às compras, com guarda-roupas espaçosos. Quem adota para si as tendências da moda fica refém de seus ditames, mesmo que não combinem com seu corpo ou com sua personalidade.

Quem já participou de meus cursos ou palestras, ou leu meus textos sobre envelhecimento, sabe que aponto para a liberdade como uma das conquistas da velhice. Como conciliar a ditadura da moda com a liberdade pessoal da velhice? Tendo estilo!

Quem acompanha minha produção sabe também que sugiro sempre: não seja um velho aborrecido, não seja um velho chantagista, seja um velho sedutor, uma velha sedutora! Dá para ser sedutor/sedutora não se importando com a moda? Sim, dá, tendo estilo! Sendo aquela pessoa que escolhe o que mais combina consigo: em vez de se submeter à moda, usa as tendências da moda, selecionando para si o que mais a agrada e melhor a expressa.  

 “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”: moda é uma coisa, estilo é outra coisa.

A aparência conta, e o estilo demonstra isso. Afinal, os humanos são seres sociais. Quem de nós não faz julgamentos sobre os outros partindo unicamente de sua aparência? Para conversar, cada um dispõe de um vocabulário que lhe é próprio; nosso guarda-roupa é nosso vocabulário visual.  A moda está nas roupas, e o estilo está no usuário das roupas. Estilo é você tornar visível aos outros o seu ser interior. Diz respeito a você e à sua relação consigo mesmo. Em vez de ficar se adornando com símbolos de status, a pessoa que tem um estilo busca aquilo que ela realmente quer, o que realmente a agrada.

Há aí a premissa de que, para ter estilo, a pessoa precisa se conhecer, ter consciência de suas aspirações, de suas preferências, de suas limitações. Com base nisso, precisa exercer seu poder de escolhas, sem culpas e submissões.  Ora, quem tem mais anos de vida teve mais oportunidades de desenvolver esse autoconhecimento, certo? Vantagem dos mais velhos!…

Estilo requer segurança e confiança em si, pois ele expressa os próprios sentimentos e valores, ou seja, a identidade. Essa ousadia compensa, pois é muito recompensador ser o que se é e ser visto pelos outros assim. Requer que se esteja à vontade com a própria personalidade e com o próprio corpo.

Como todo conhecimento, o autoconhecimento precisa ser atualizado; na medida em que nos desenvolvemos, precisamos nos atualizar a respeito de nós mesmos. Nosso estilo não escapa disso: requer periódicas autoavaliações, com as consequentes renovações, revisões, reinvenções.  (Acredito que Erik Erikson, o psicólogo norte-americano que construiu uma interessante teoria das etapas do desenvolvimento humano, concordaria com isso).

Uma das razões pela qual aquele famoso “pretinho básico” inventado por Coco Chanel se disseminou tanto e dura até hoje é que é uma peça de roupa que permite que quem o usa acrescente a ele suas características pessoais, usando de criatividade e revelando sua personalidade. Outro exemplo: quem de nós nunca usou um par de óculos escuros com a intenção de sugerir sofisticação, ou esportividade, ou sensualidade?  Ou então o caso do cavalheiro que acrescenta a um terno perfeitamente aristocrático um colar com sugestões de sadomasoquismo? Ou um engraçado rabinho de cavalo grisalho, que sugere que é uma pessoa interessante, que acha que o mundo é um lugar interessante.  

Estilo é aristocrático e é democrático. É aristocrático porque separa aqueles que o têm daqueles que se vestem apenas para cumprir um código de obrigações. É democrático porque supõe que toda pessoa tem o potencial de criar uma identidade única e de expressar isso visualmente (o que independe de altos recursos financeiros). Ninguém será penalizado por não ter estilo! Mas, aqueles que têm, são distinguíveis, portanto são mais rememorados. Ser reconhecido, ser relembrado, estão entre as principais carências do ser humano…

(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de “Velhice, uma nova paisagem”

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