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Tecemos renda para enfeitar o mundo

Por Suely Tonarque (*)

Quando criança eu morava em uma casa, cuja sala era grande e dava para a rua. Um vidro fino a protegia dos olhares que prescrutavam o que tinha e quem ali morava. Logo que mudamos para esta nova residência, minha mãe tratou de colocar uma cortina branca, inteirinha de renda. Não dava para admirar o que tinha naquele espaço, mas a renda da cortina inspirava a imaginação de qualquer um a sonhar com o romantismo dos contos medievais.

Jamais vou me esquecer: quando o sol começava a pôr e iluminava esta cortina, tornava premiados seus arabescos de linhas enroladas, cachos de uvas que se delineavam em sombras e brilhos e que configuravam a sala em uma espécie de catedral com seus vitrais multicoloridos.

Às vezes, pareciam cordões de pedras coloridas, cavaleiros com espadas desfraldadas; em outras, arvores dançando em vendavais, sinos badalando e flores de todas as nuances de perfumes.

Renda em poesia

Renda-se a minha renda…

Aos meus encantos…

A todos os meus encantos…

Prendo-te em fendas…

Rendemo-nos à paixão.

 (autora: Geórgia Stella)

A origem da renda é um tema controverso entre os historiadores. Para os que afirmam sua origem italiana, tomam como fonte um testamento de 1493 da família milanesa Sforza. Alguns especialistas apontam que a confecção da renda de agulhas e bilros teve início na Itália, no final do século XV.

A renda na música

Mulher rendeira (autor: Alfredo Ricardo Nascimento, Zé do Norte), registrado ECAD, canção popular

Oiê muié rendeira      

Oiê Muié renda

Tu me ensinas

A fazê renda.

Que eu te ensino a namorá

Nesta primeira estrofe da canção já aponta a sensualidade em relação ao tecido da renda:

“tu me ensina a fazer renda, que eu te ensino a namorá”!!!

Pergunta:  

– “como é ensinar a namorar?” ou

– “tem professor para ensinar a namorar?”

– ”não tem namoro, só se ensina fazer renda??”

A renda no cinema:

No filme “O Piano” (diretora: Jane Campion), a intérprete principal Ada (Holly Hunter), apaixona-se não pelo marido com quem se casara, mas pelo Índio”, que lhe permitia usufruir de seu piano em troca de carícias eróticas, durante o recital que executava. O filme que trata do feminismo e da poética, hipnotiza o expectador quando no final do filme ela, Ada, aparece com um belíssimo vestido de renda, lilás escuro, que ressalta o ardente desejo do casal e que se traduz na tela pelo amor erótico visível.

A renda na realidade do dia a dia

Realizava-se um casamento e a igreja estava repleta de pessoas, mormente casais de jovens como os noivos; mas nem todos eram convidados. Todos eram na verdade   curiosos, para ver a noiva e seu belo vestido de renda. À boca pequena, como se diz no interior mineiro, o vestido era de uma renda importada de Paris, chamada chantili e em baixo saia um babado de tule bem fininho, plissado. Foi a terceira geração a casar com o mesmo vestido, fora usado nos anos idos pela avó e. pela mãe da noiva.  Refeito por um costureiro famoso, adaptado ao corpo esbelto da moça e ao estilo atual de favorecer o aparecimento de linhas e curvas que sobressaiam como no andar de um cisne, do pai que conduzia a filha. Perolada, a renda atraia os olhares e o desejo de tocá-la como uma joia preciosa.

Hoje existem vários tipos de renda, espalhadas pelo mundo todo. Vamos conhecer algumas:

Renda de Bilros

A origem da renda de Bilro é desconhecida, associando-se aos flamengos da Bélgica, pois neste país, a renda se tornou uma importante indústria. Ela está presente também em outros países, como em Portugal, na Espanha, na França etc. No Brasil, a renda é cultivada em muitos estados brasileiros, mas principalmente na região litorânea. A renda de bilros também é conhecida como renda do Norte, renda do Ceará ou renda da Terra.

Renda Gripir

A renda Gripir (do francês gripure), conhecida ainda como gripir, surgiu na França por volta de 1843, e é feita de tecido de linho ou seda, com motivos em relevo, formando arabescos. Em geral ela é usada para dar mais requinte às peças, principalmente em vestidos de noiva e roupas íntimas.

Renda de Agulha

A renda de agulha exige um fundo que pode ser de tela aberta ou de filetes ligados. As rendeiras desenham o motivo em papel pergaminho e fixam-no em um fundo de linho encorpado. A renda é executada, preenchendo o desenho com ponteados caseados. O desenho pode ser preparado separadamente e o fundo acrescentado depois.

Renda Renascença

Renda Renascença é um trabalho exclusivamente artesanal. Sua origem data do século XV|, na Itália, veio para o Brasil com os portugueses e foi ensinada em Pernambuco nos conventos e colégios internos. Hoje o Brasil é o maior produtor de renda renascença, exporta tal produto para sete países da América, Europa e Asia. A renda renascença é usada para festas de casamentos, para as noivas, madrinhas, daminhas e também nas lingeries e peças íntimas.

Renda tem a ver com render-se a uma nova paixão, render-se ao desafio de uma nova profissão, render-se à resistência dos novos aprendizados, render-se enfim, à nossa finitude. Todas essas atitudes requerem sensibilidade, delicadeza, como o tecido charmoso e sensual- a renda.

A renda e a alma humana

A renda é um tecido delicado, como a alma humana; somos confeccionados por fios/linhas costurando e construindo nosso mundo interior para nos encontrar e com outras almas humana. É preciso delicadeza para se cobrir de renda, assim como ao entrar no território sagrado do coração do outro. Nós não sabemos as experiências que já moram lá.

Tecemos rendas para enfeitar o mundo e deixá-lo mais sensível, mais acolhedor!!!

(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloga, especialista em moda no envelhecer e integrante do Ideac                                        

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2 Comentários
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Sónia Fuentes
Sónia Fuentes
2 anos atrás

Um texto rico e poético
Parabéns querida Suely

Sirlei Santos
Sirlei Santos
2 anos atrás

Você me fez sonhar e viajar por diversas lembranças guardadas com carinho.

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