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Desaprender é preciso

Maria Celia de Abreu (*)

Durante minha vida acadêmica, tendo me especializado em Psicologia da Educação, eu tinha uma predileção por Psicologia da Aprendizagem – assim como hoje eu tenho por Psicologia do Envelhecimento. As teorias de aprendizagem me encantavam. Graças a isso, eu sei que um ser humano pode aprender... em qualquer fase da vida! Com maior ou menor facilidade, usando recursos diferentes, mas pode. Também sei que é possível desaprender aquilo que já aprendemos.

Só que aviso: desaprender é mais difícil do que aprender.

Principalmente nós, profissionais que lidamos com a faixa etária dos mais velhos, precisamos desaprender… porque muitas coisas que aprendemos sobre os mais velhos são crenças falsas. A nossa cultura está repleta de crenças falsas sobre velhice, velhos e envelhecimento. Estamos tão imbuídos delas, que não nos damos conta de que temos essas crenças.

Em outras palavras, somos preconceituosos. Somos ageístas.

Não estou sozinha quando afirmo isso. Vou buscar amparo em dois autores, vou citar duas frases, escritas em épocas extraordinariamente distantes.

A primeira é de Cícero, que dispensa apresentações, e que viveu há dois mil anos:

“Não há nada de errado em relação ao envelhecimento, e sim em nossa atitude em relação a ele”.

A segunda é de James Hillman, psicólogo norte-americano, falecido em 2011, que escreveu no livro A Força do Caráter, de 2001, o seguinte:

“As nossas ideias sobre a velhice estão precisando ser substituídas. Quanto mais tempo nos agarrarmos a ideias gastas, mais elas nos afetarão negativamente, atuando como patologias. A principal patologia da velhice é a nossa ideia de velhice”.

Como será que essas crenças se formam, como elas são passadas de geração para geração? As causas do ageísmo, a evolução histórica do ageísmo, etc etc são assunto interessantíssimo… mas são assunto para outras palestras e outros textos… já sabemos que a gente tem que fazer opções, deixar de lado coisas boas.  Pois é… só vou tocar de leve nessa questão de formação de crenças falsas, de associações perversas entre o conceito de “velho” e algumas adjetivações atribuídas a ele.

Recolhi algumas frases ouvidas no meu cotidiano recente:

Da avó para o neto pequeno: “Essas bolachas não, meu querido, não coma, elas estão velhas”.

Da esposa para o marido: “Seus sapatos estão tão velhos… já deviam estar no lixo…”

De uma menina de cinco anos para a avó, que estava sendo incentivada pelos amigos a ter um namorado: “Eca, vó! Velho namorando, que nojo!”  –  Vocês acham que essa menininha nasceu com esse conceito, ou aprendeu isso de alguém?

São exemplos corriqueiros, do meu dia a dia, e tenho certeza de que você consegue relembrar muitas outras mais, de suas vivências diárias… A mensagem delas vai se cristalizando dentro de nós, sem que ninguém se dê conta, e vamos acreditando que “velho” faz mal, é estragado, passou do prazo de validade, precisa ir para o lixo, causa nojo se ousar se comportar como jovem. É assim que as crenças se formam. Precisamos estar atentos e desaprendê-las. Porque são falsas.

Prossigo com dois exemplos de situações hipotéticas para você se colocar nelas e imaginar seus sentimentos:

1ª. Você está procurando, para se tratar, um médico, (ou um psicoterapeuta, um fono, um dentista…) e tem duas indicações; a única coisa que você sabe é que um tem 40 anos e outro tem 70. Essa informação sobre a idade direciona sua escolha para um deles?

2ª. Você conseguiu dez dias de férias e se inscreveu em uma excursão em que um pequeno grupo vai fazer uma viagem maravilhosa. No momento em que a viagem começa, você descobre que um quarto dos seus companheiros são pessoas idosas – 25 por cento. Isso mobiliza algum sentimento em você? Alguma rejeição? Algum pensamento de que suas férias não vão ser tão boas quanto você sonhou?

Sugiro que você encontre exemplos do seu entorno, como eu fiz acima, para ter mais facilidade de refletir sobre dois pontos, com a honesta intenção de aprofundar seu autoconhecimento:

1º. como você se sente em relação a pessoas mais velhas em geral, e   2º. como você se sente em relação ao seu próprio envelhecimento.

Refletindo com calma, sem fazer julgamentos, sem se criticar, só constatando… é possível constatar quais são suas crenças em relação ao envelhecimento e até rastrear a origem delas.

Tudo o que escrevi até aqui neste texto foi para enfatizar que nós precisamos desaprender associações que acumulamos sobre o envelhecimento, quando elas são falsas.

Mas vou avisando:

. Desaprender dá trabalho.

. Projetar e depois vivenciar um envelhecimento legal dá trabalho.

. Ser um profissional legal dá trabalho.

(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de “Velhice, uma nova paisagem”.  Esse texto faz parte de sua palestra no X Congresso Internacional do Envelhecimento Humano (CIEH) em João Pessoa.

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