Maria Celia de Abreu (*)
O Ideac mantém um grupo que semanalmente se encontra via zoom para estudar temas relacionados com o envelhecimento. Nós nos auto-denominamos de Pantufas de Ouro. Somos quinze participantes, com idade entre 52 e 84 anos. Sete são casados há mais de quarenta anos, dois tiveram longos casamentos interrompidos pelo falecimento do cônjuge, três são divorciados e dois solteiros. Cada qual com uma história de vida diferenciada.
No dia 27 de abril conversamos sobre uma série veiculada pela Netflix, Meu Amor, com oito episódios, cada um deles documentando o cotidiano de um casal de idosos de um país, todos casados há muitos anos.Foi um debate muito especial; sei que é impossível transmitir a riqueza dessa nossa conversa mas, mesmo assim, acho que vale registrar as ideias que captei – porque elas podem ser um estímulo para reflexões e tomadas de decisão de eventuais leitores.
Constatamos algumas características que os oito casais da série Meu Amor tinham em comum. Eram pessoas simples, que levavam uma vida simples. Os oito casais trabalhavam – alguns por necessidade material, para poderem sobreviver, outros por necessidade psicológica, para dar um significado à vida. As relações com filhos existiam, mas não eram especialmente próximas. Faziam juntos muitas atividades. Chamou a atenção o carinho mútuo, manifestado pelos cuidados diários com detalhes do cotidiano. Eram pessoas bem humoradas. Nas falas, mencionavam que haviam atravessado muitas mudanças, muitas transformações. Ou seja, o amor que existia entre cada casal tinha sido longamente adubado.
Um dos Pantufas de Ouro indagou: afinal, qual é o segredo de um casamento ter qualidade e ser duradouro? E pipocou outra pergunta: estar longamente casado é o que há de mais desejável para uma pessoa?
Ora, não há indicação possível para um casamento ser satisfatório e duradouro. Cada pessoa, cada casal, cada situação pede condições diferentes. O que é bom para um não precisa ser bom para outro. Fórmulas não funcionam! O que de melhor se pode fazer é alinhar alguns pontos que vão ajudar a ampliar o autoconhecimento, dar uma base para a pessoa refletir e depois tomar decisões. Não são soluções.
Em primeiro lugar, há quem sinta o casamento tradicional como uma perda de liberdade; esse é um valor prioritário, está no topo da sua lista de valores; é insuportável viver sem ser livre. Ora… vamos combinar: não há nada de errado com essas pessoas!
Outras já percebem que não gostam de ficar sozinhas; têm necessidade de compartilhar, de dividir, de ter companhia, e essa necessidade é mais forte do que a de ser livre. Vamos combinar de novo que com estas pessoas também não há nada de errado!
Para ajudar a decidir sobre isso… sobre a prioridade desses dois sentimentos, a liberdade ou a solidão, os Pantufas, com o bom humor que nos é habitual… inventamos um teste:
Imagine-se no futuro; você chega em seu apartamento, à noite; entra; suas chaves jogadas sobre uma mesinha fazem o único barulho que corta o silêncio; o apartamento está às escuras, você acende as luzes; ninguém vai aparecer, porque só você mora nele.
Essa situação imaginada… gera mal estar, angústia, desespero? Invista suas energias em encontrar um companheiro/companheira com quem dividir seu espaço!!!!… Ou… ela gera paz, prazer, alívio, liberdade? Claro que você pode ter um companheiro/companheira… mas… pense bem quais as condições de que você precisa para esse relacionamento ser gratificante!!!…
As pessoas tanto podem se ater às normas tradicionalmente aceitas para formar um casal modelo, como podem encontrar regras de convivência que funcionam para elas, e talvez não funcionem para outro casal. Sofrerão pressão de indivíduos ou de grupos, ouvirão críticas, mas… por que não ser criativos? Ao longo do tempo, o peso da gratificação trazida pela convivência provavelmente será maior do que das dificuldades que tiverem que enfrentar.
Há, portanto, dois pontos extremamente importantes para que decisões de vida sejam acertadas: um é o autoconhecimento; o outro é estar atento para não se submeter a preconceitos que empobrecem as opções de relacionamento.
Recorrendo às histórias da série Meu Amor, e às nossas muitas e variadas vivência, identificamos, além desses dois pontos, outras características que estão presentes na maioria dos casamentos satisfatórios e duradouros; são, portanto, situações aconselháveis, mas não mais que isso.
Via de regra, é preciso que alguns valores fundamentais sejam compartilhados por ambos; hábitos, preferências, costumes, comportamentos podem ser até diametralmente opostos entre o casal; apesar de parecerem importantes, acabam sendo percebidos como superficialidades; mas valores, como por exemplo honestidade x corrupção, não.
É preciso praticar a tolerância. A cumplicidade. A confiança mútua. A admiração mútua. Se um não tiver gratidão pelo que o outro faz e fez por ele, esse é um relacionamento que ou não vai durar muito, ou não tem uma alta qualidade.
Uma norma preciosa é que problemas de relacionamento são resolvidos dentro do relacionamento; ir buscar válvulas de escape fora do casamento só pode se transformar em mais um problema… não em uma solução.
Ao iniciar um relacionamento, ajuda muito ter dentro de si, bem firme, uma decisão: a de que o quê a pessoa quer para si é estar casada. Dificuldades virão; mas se essa decisão existe, ou serão resolvidas, ou as pessoas aprenderão a conviver com elas, descobrindo qual a melhor forma possível. É muito saudável o aprendizado de se adaptar às circunstâncias.
Nossa hora e meia de conversa do grupo dos Pantufas de Ouro voou. Como valeu a pena!
(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de “Velhice, uma nova paisagem”
foto divulgação | Série Meu Amor