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Por um Mundo mais Gentil

– Para onde vais Andarilho, nesse andar assim cambaio?

– Vou ao encontro da manhã.

(Thiago de Mello)

Suely Tonarque (*)

A cada dia que acordo, eu já penso como vai ser o presente que a vida vai me oferecer neste dia, as surpresas que vão acontecer. Ao abrir a porta de minha casa, será que vou ouvir os passarinhos (poucos, mas reunidos ali) que geralmente quando ouvem o barulho do ranger da porta, saem voando? Fico imaginando como serão os desafios de viver o hoje, com a esperança da manhã.

 Às vezes, ou melhor, na maioria dos dias, meus pensamentos migram como os pássaros e indagam com que vestido vou me enfeitar, qual a cor, qual o modelo, a textura do tecido ou, em outras palavras, como posso ser generosa comigo mesma. Nesse momento me pergunto: qual o significado da palavra generosa. Como aprendi a manipular o google, ali encontro: dadivoso, bondoso, pródigo, benevolente, etc. Também no google, procurei a etimologia de “gentileza” e encontrei o termo latino gentilis, que designava os membros de uma mesma família ou clã. Gentilis, por sua vez é formada pelo radical latino gen(s), que tem seu plural na palavra gentes.

Quanta gentileza já fizemos, vivenciamos sem esperar nada em troca, pergunto eu? Na música de Marisa Monte “ Gentileza”,  há um verso que diz o que aconteceu com as escrituras do Profeta, que por muitos eram  vistas como pichação.

Apagaram tudo

Pintaram tudo de cinza,

A palavra no muro, ficou coberta de tinta

Apagaram tudo

Pintaram tudo de cinza,

Só ficou no muro, tristeza e tinta fresca…

Marisa Monte escreve e canta essa musica em homenagem ao Profeta Gentileza, cujas inscrições, no Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro, correram o risco de serem destruídas.

José Datrino, conhecido como Profeta Gentileza, nasceu em  Cafelândia em 1917 e faleceu em Mirandópolis em 1996, e sua frase mais  conhecida foi “Gentileza gera gentileza” . Tem uma história real e verdadeira que pode   ser encontrada no google  e em outras publicações. Ele não pedia nada a ninguém, pelo contrário, se alguém dele se aproximava oferecia uma flor que havia plantado no espaço onde o circo pegara fogo.          

Por que escrevo, penso e pesquiso o Profeta das Gentilezas? Apenas para não nos esquecermos do nosso cotidiano, enfeitando-o com  gentilezas? Elas acontecem muito em nossa vida, muitas vezes nem percebemos. Se ganhamos um presente, se tivermos a oportunidade de uma conversa de trocas e aprendizagens, se a vizinha e amiga nos oferece todos os dias o almoço como prova de gentileza e generosidade, por exemplo. Se aceitamos com gratidão e não como “obrigação” de pagar as gentilezas oferecidas. É claro que essa amorosidade e as gentilezas ficarão guardadas na nossa memória como atos de gentis e não como troca por troca. Uma pessoa me deu como um mimo, não vou pagar.

As gentilezas são oferecidas, ofertadas, dadas como um ato em si. São atitudes que nos permitem amolecer o coração, isto é, nos tornam mais leves, nos tornam mais gente. Pensando na velhice, é um momento especial, pois é um tempo que estamos mais “livres” dos preconceitos, com mais liberdade e menos rigidez conosco e com aqueles que estão ao nosso redor. Cuidar do nosso envelhecimento é, sem dúvida, um ato de generosidade e gentilezas.

O conto ” O avião da Bela Adormecida” , de Gabriel Garcia Marques, escrito em 1982, nos presenteia com o encontro de um velho e uma  jovem em um avião, sentados um ao lado do outro.  Antes de saber que pelo destino iria passar horas de voo ao lado da “Bela”, já no saguão do aeroporto ele a viu e ficou extasiado com tamanha beleza. Durante toda a viagem, o escritor admirou o frescor da juventude, a perfeição, a graça e a formosura, enquanto ela dormia sem interrupção. Admira-a ao acordar com vigor. Observa a si mesmo, que na velhice, o cansaço, o abatimento é visível e desconfortante.

Nesse conto, o autor menciona também que o escritor japonês Yasunari Kawabata (1899-1972) fala sobre os anciãos no Japão  e a impossível relação amorosa que podem ter com as jovens, de um estranho bordel. Nele, a garotas não podem ser violentadas, apenas contempladas. Dormir ao lado dessas criaturas dopadas é a única compensação para a velhice, em busca do tempo e dos prazeres que existiam na juventude e hoje parecem tão distantes.

A juventude de fato está distante se formos pensar em um homem de 80 anos; terá outros sonhos, desejos, projetos.  Mas ainda sobra a imaginação que poderá dar asas para alcançar o infinito.

Escolher as nossas vestimentas com discernimento, sabedoria e clareza que transforma o nosso corpo é um ato de gentileza, generosidade com nossa história, celebrando nossos ancestrais  

Aceitar, admitir e abraçar o nosso processo de envelhecimento é acreditar que é possível continua com a nossa “juventude  interior”.

Fiquemos com o encontro das manhãs, como escreve Thiago de Mello, com gestos de afeto e ternura conosco e com aqueles que estão ao nosso lado na roda da vida…          

(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloca e especialista em moda no envelhecer

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