(*) Dra. Maria Celia de Abreu
Há quem duvide que é possível aprender quando se tem setenta anos. Ou oitenta. Quem dirá noventa!!! Só que essa é uma falsa crença. Costuma fazer parte do conjunto de falsas crenças que integram o preconceito relativo ao velho e ao envelhecimento, o tal do idadismo, preconceito muito pernicioso para o conjunto da sociedade, bem como para cada pessoa individualmente. Na estrada da vida, que percorremos do nascimento ao nosso fim, não existe a opção de ficar estacionado: ou se anda para a frente, ou se anda para trás. Quem se recusa a aprender anda para trás.
Aprender, em qualquer fase da vida, exige empenho. Dá trabalho. Porém… ser saudável dá trabalho. Ter amigos dá trabalho. Manter uma família harmônica dá trabalho. Envelhecer bem dá trabalho!
Aprendizagem é um fenômeno muito caro à Psicologia e muito útil aos Educadores. É um processo graças ao qual fixamos mudanças em nosso comportamento, nossa percepção do mundo e de nós mesmos, nossa cognição e nossos valores. São mudanças relativamente estáveis, diferente de modificações passageiras, que se devem a condições corporais ou ambientais. Por exemplo, mudanças que surgem quando estamos cansados, ou sob efeito de álcool ou de alguma outra droga, por vezes um remédio, ou se estamos dominados por uma doença; nesses casos, não cabe falar em aprendizagem.
Em qualquer fase da vida, a aprendizagem traz consequências fisiológicas, sociais e pessoais. Fisiologicamente, o aprender cria caminhos entre neurônios, por assim dizer, e esse fenômeno nos permite sermos resilientes e criativos, ou prevenir (ao menos, retardar) a instalação de demências cognitivas. No âmbito social, nossas aprendizagens abrem possibilidades de desfrutarmos de relacionamentos construtivos e prazerosos com pessoas as mais diversas, bem como é através do aprender que nos inserimos neste mundo que progride em velocidade vertiginosa, podendo ocupar nele o espaço a que temos direito. Individualmente, o aprender é fonte de realização, de prazer, de se sentir útil, importante e pertencente.
Há vários tipos de aprendizagem e, para aprender dentro de cada tipo, há uma estratégia mais eficaz. Vou citar dois exemplos para essa afirmação ficar esclarecida.
Algumas coisas que aprendemos podem ser categorizadas como habilidades: cortar um bife com garfo e faca, nadar, arrumar a cama, dirigir um carro, amarrar os cordões do tênis, declamar um poema de cor etc etc etc. Para dominar uma habilidade não basta compreender o seu mecanismo: é preciso repetir e repetir e repetir o comportamento, até que ele flua e seja memorizado.
Essa necessidade de repetição vale para a aprendizagem em todas as faixas de idade. As variações se devem a diferenças individuais: para uma mesma aprendizagem, alguns precisam de mais repetições do que outros.
O segundo exemplo se refere a quando se quer aprender um conceito ou um princípio. É um tipo de aprendizagem que solicita mais abstração, mais cognição, do que atos. Em vez de repetir e repetir, do que mais precisamos é compreender. Quando você compreende, você aprende. Se houver necessidade de repetições, elas serão poucas. Aprendido, aquele conceito ou princípio passa a fazer parte do seu arcabouço de conhecimentos, e se manifesta nos seus comportamentos, nas suas percepções, nos seus valores.
Os tipos de aprendizagem não são só esses, mas ficar discorrendo sobre eles seria enfadonho e sem utilidade. Apenas é interessante saber que existem. Também é interessante saber que eles nem sempre são tipos puros, mas podem se sobrepor.
Por exemplo, a repetição pode ser necessária em situações mais abstratas do que na aprendizagem de uma habilidade física. Posso me dar conta, digamos, de que tenho em mim determinado preconceito (pode ser o ageismo) e desejo me livrar dele. Mesmo com esse propósito em mente, vou detectá-lo em várias ocasiões em que eu me envolver; preciso tomar consciência de que ele está se manifestando, e ir me corrigindo em cada situação, num processo de busca ativa e persistente, até que finalmente eu me perceba como alguém que não tem mais nenhum preconceito contra velhos ou envelhecimento. Na verdade, reprogramar valores é o tipo de aprendizagem mais difícil de ser estabelecida.
A aprendizagem é diferente conforme a etapa da vida. Ninguém vai querer que um adolescente aprenda um assunto novo para ele do mesmo jeito que um bebê! Em se tratando de pessoas mais velhas, é preciso admitir que elas têm características próprias, com a complicação adicional de que dentro dessa faixa etária há enormes diferenças individuais. É frequente que pessoas mais velhas ignorem que o que precisam aprender é uma habilidade, e não tenham paciência para ficar fazendo repetições, por exemplo; mas isso não é uma lei, não vale para todas as pessoas mais velhas.
Então, levando em conta as situações mais prováveis, é preciso considerar que métodos pedagógicos, arranjos ambientais e ritmo precisam ser adequados para pessoas mais velhas, e são diferentes para quem tem dezesseis ou quarenta anos, para que nem mestre nem aprendiz se frustrem. É preciso avaliar se há fatores externos prejudicando (ou favorecendo) a aprendizagem, tais como ruídos no ambiente ou volume das instruções faladas (interferindo na audição), iluminação ou tamanho dos elementos que precisam ser enxergados (interferindo na visão), algum desconforto físico do aprendiz, a falta de familiaridade com o material apresentado, e variáveis semelhantes. Também é preciso considerar se fatores internos podem estar favorecendo ou prejudicando o processo de aprender, tais como estresse, depressão, motivação, autoestima, fome, sede, sono.
Em geral, a pessoa mais velha é crítica: ela quer saber no que vai dar aquela energia toda que precisa dispender, aquele tempo todo que vai ser ocupado, para avaliar se vale a pena se dedicar àquela aprendizagem. Ela precisa compreender qual é a necessidade e o valor da aprendizagem, saber o que vai acontecer na vida prática futura dela, se há algum benefício emocional ou social, para decidir se essa modificação é positiva para ela. Só se achar que vale a pena é que se empenha no processo de aprender…
Costuma ajudar se a pessoa mais velha tiver uma noção de quais estratégias serão empregadas. Nem todos gostam de surpresas; elas podem ser desmotivadoras ou ter o sabor de desrespeito ou traição.
Se o indivíduo que está aprendendo se perceber como parte ativa do processo, podendo contribuir, indagar, interagir com orientadores e companheiros, perceber que seus conhecimentos prévios são valorizados, ele tem muito mais probabilidade de se tornar um colaborador ativo da própria aprendizagem… especialmente se for uma pessoa mais velha. Mesmo que seu ritmo seja lento, em comparação à de colegas mais novos, não vai se sentir inferior ou incapaz.
Resumindo, uma pessoa mais velha se recusa a aprender por imposição, sem ter uma visão do todo onde aquela novidade se insere. Toda aprendizagem exige empenho, e a pessoa mais velha valoriza o próprio empenho. Para ela aprender, ela precisa concordar que o resultado é significativo, tem um sentido e um valor.
Respondendo à pergunta posta como título deste texto, podemos afirmar que sim, pessoas mais velhas aprendem!
(*) Dra. Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do ideac e autora de vários livros, entre eles, “Velhice, uma nova paisagem”(Ed. Summus)
(Foto Jader Andrade)
Muito Bom o texto Maria Célia! Ele esclarece sobre o aprender de varias formas . E, mais importante, o preconceito de que velho não aprende!
Parabéns
Exatamente, que sirva de incentivo para muitos que ainda não entenderam essa verdade. Abraços
A primeira pessoa a me ensinar que sim , é possível aprender sempre foi você, Dra Maria Celia. Isso há mais de 30 anos , quando fiz meu primeiro curso no Ideac . Desde então sigo aprendendo com seu exemplo. Muito obrigada!
Que declaração bonita Cleide, Maria Celia é mesmo a mestra especial que sempre tem o que ensinar. Abraços
Vivendo e aprendendo deveria ser o mantra não só da fase do envelhecimento, mas para a toda vida. E como bem pontua Dra Maria Célia, viver bem e envelhecer bem… aprendendo, dá trabalho. Muito bom o texto.
Obrigado pelo retorno Sônia, você é uma brava lutadora de novas aprendizagens sempre. Abraços
Parabéns Dra. Maria Célia, seu texto esclarece a incentiva o velho a continuar na luta para entender e aprender as novidades da vida moderna! Como velha tenho dificuldade em utilizar a tecnologia atual! As modificações são muito rapidas. Reservar passagem de avião! Procurar o resultado do exame de sangue! Ontem consegui, hoje não consigo, já mudaram o site . Vamos continuar lutando para consegui, é muito trabalhoso!
Vamos em frente!
Se pensar bem, tudo na vida dá trabalho, mas é preciso insistir e ter vontade de aprender. Abraços Marli
Bem colocado! Que sejamos flexíveis para cultivarmos nossas mentes e corpos!
Flexibilidade é essencial para abrigar as mudanças, abraços