Provocações evocadas pelo texto de Cleide Martins e Enéas Canhadas, postado no blog do Ideac em 29/03/2021: “As Igrejas estão fechadas, e agora”?
Maria Celia de Abreu
Uma introdução, para localizar o leitor:
Testei positivo para a Covid-19. Sintomas tranquilos, orientação médica segura, boas condições familiares e materiais: deu para superar a doença com um isolamento social rigoroso em casa. O letreiro de encerramento desse episódio: o clássico HAPPY END.
Para o futuro, ficaram sequelas. Também tranquilas. A serem tratadas. Outro episódio, talvez? Episódio sobre desafios, virtudes…? Por ora… não estou nem um pouco interessada.
Personagens extraordinariamente amorosos atuaram neste episódio. Sabendo da predileção do coronavírus por velhos e sabendo que tenho 76 anos de idade, estiveram muito preocupados com possíveis surpresas.
O roteiro do meu tratamento foi um mergulho profundo no cuidar – cuidar de si, cuidar do outro.
Tive três fontes de provocações:
No âmbito do coletivo, assisti em noticiários sobre o dilema: abrir ou fechar igrejas? Permitir ou proibir cultos? Respostas complicadíssimas…
No âmbito do meu privado, em tom de amoroso desespero, através de algum recurso eletrônico de comunicação, ouvi um dos meus inestimáveis cuidadores dizer: Não há nada a fazer, só resta rezar!
Uma educadora e um psicólogo: um texto. Está lá, no blog do Ideac.
Três olhos d’água se juntando… E então… os pensamentos vão nascendo. Sem organização, sem conferir veracidades… mas… vaidosos!!!… querendo se exibir!
Escolha de vocábulos:
Há quem prefira “rezar”, há quem prefira “orar”. Por trás da escolha, muitos valores – nem sempre reconhecidos. Do mesmo jeitinho que há quem prefira dizer “velho” e há quem prefira dizer “idoso”. Vale a pena dar um tempo para pensar sobre questões semânticas; parece que estão a anos-luz de nossa prática diária, mas na verdade não poderiam estar mais próximas! Fica o convite…
Para aquele leitor curioso: costumo usar mais “rezar” do que “orar”… a razão que mais pesa nessa minha escolha é a tradição, aprendizados fixados há mais de 70 anos no meu cérebro…
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Pensamentos pipocaram:
Por que será que não poder estar fisicamente em um edifício religioso – que de ora em diante só chamarei de templo – incomoda tanto a quem planeja rezar? Em flashes, dentro da minha mente, pipocam hipóteses. Vou expor as quatro que me apareceram primeiro, assim do jeitinho que vieram, sem didática…
(mesmo assim quero chamar a atenção do leitor eventualmente distraído que são todas do ponto de vista do fiel, do que reza, do indivíduo; e não do ponto de vista da instituição, da que convoca, da que organiza; sim?)
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1o. pensamento: Pesquisas muito sérias no campo da Psicologia, eliminando interferências de eventuais variáveis religiosas, esotéricas, espiritualizadas, etc, se atendo estritamente a fatos comprováveis, vêm atestando o poder da oração sobre pessoas doentes. São resultados impressionantes.
Quando alguém (alguém que sei que dispõe de incomensurável capacidade de bondade e de doação) diz que não há mais nada a fazer por mim, a não ser rezar… eu franzo as sobrancelhas com meus pensamentos: ué… mas a pessoa conhece essas pesquisas… Será que não acredita na ciência? Será que “fazer coisas” é mais fácil do que rezar, tem poder maior para baixar a ansiedade da pessoa, é terreno mais conhecido? Rezar se opõe a fazer coisas???
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2o. pensamento: Agora que estamos sem templos… com altas recomendações de isolamento… aparece uma consequência totalmente surpreendente, e até meio engraçada:… rezar não combina mais com performance. Rezar não pode ser mais um comportamento observável. Se estou rezando num templo, os outros podem constatar, pelo que vêm de mim. Vêm traços e características que podem até mesmo avaliar, segundo quesitos diversos.
(Um desvio rápido do curso do meu pensamento: será que os seres supremos a quem a oração é dirigida também nos avaliam desse jeito…???. )
Estou lembrando de alguns quesitos… alguns até um pouco esquisitos: castigar o corpo numa genuflexão dolorida… projetar a voz, faze-la sobrepujar as dos vizinhos, com seu volume, afinação, melodia … formar máscaras faciais, ou passos de dança, capazes de expressar profundo regozijo, alívio, alegria… vestir-se segundo critérios pré-determinados carregados de simbolismo… usando olhares ou mãos, tocar companheiros de oração com gestos que comunicam acolhimento, fraternidade, compaixão, esperança…
Comportamentos que quem observa não duvida: com generosidade, distribuem o bem. Com humildade, aceitam receber o bem.
Entretanto, agora, quem está isolado avalia-se a si próprio. Não há como se exibir. Não há como se apoiar no olhar alheio.
Vendo de outro ângulo: quem está isolado também não tem como usar artimanhas para adoçar a avaliação do outro… e conduzi-lo para ter um conceito um pouco melhor… que vá além do que se sabe que se é, mas que não se gostaria que ninguém mais soubesse. Complicou?
Para psicólogos… como eu… este pensamento é um prato cheio! É o momento da verdade, da individuação… ufa! Tem tudo a ver com autoconhecimento, com significados, com propósitos… etc etc etc!
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3o. pensamento: O texto de Cleide e Enéas me ensinou que orar significa comunicar-se. Orar é uma energia direcionada para alguém. (Para quem… mesmo??…)…
Aprendi que o destinatário é Deus. Ou o Cosmos.
Mas… se Deus não tem forma, por que o nosso interlocutor precisa que nós, humanos, tenhamos um templo, uma certa posição física, enfim, uma forma, para fazer essa comunicação?
Cleide e Enéas não me responderam se rezar é uma demanda vinda de Deus, ou se é uma demanda de nossas motivações e carências muito humanas. Tais como pertencimento, solidão, Gestalt, insegurança, onipotência… são tantas as nossas necessidades!!!… e por vezes tão imensas…
Também me deixaram na dúvida: será que rezar se traduz por batalhar para ampliar nossa consciência? Nossa consciência sobre nosso corpo, nosso psiquismo, nossos significados, nosso entorno, e assim por diante? E daí… como estarei centrada em mim… posso rezar… mesmo que eu não acredite em Deus???… Estranho, concorda? É preciso acreditar em Deus para rezar???
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4o. pensamento: Ritos. Importantíssimos! Objetos de pesquisas científicas altamente elucidativas. Presentes em todas as culturas. Fundamentais para a harmonia emocional da pessoa, diante dos eventos do curso da vida. Essas verdades sobre os ritos são incontestáveis, já foram validadas pela ciência, pelas religiões, pelas experiências individuais, pela tradição, pela História…
Mas nestes dias estamos sendo aconselhados a não cumprir o rito de rezar em conjunto com outros. Por vezes, até o rito profundamente doloroso e profundo de se despedir dos nossos mortos amados.
O que devemos fazer? Ignoramos o que a ciência da Medicina orienta, e entramos nos templos? Afinal… seria em nome de nosso futuro equilíbrio psíquico, para não falar no futuro equilíbrio espiritual de quem assim o crê. Inventamos para nós mesmos ritos individualizados, amparados pela fé de que a presença de um ser supremo jamais nos abandona, quando na verdade os ritos se concretizam no seio da sociedade, não em privado? Garimpamos todos os depósitos de sabedoria e calma que encontrarmos dentro de nós mesmos… e nos convencemos que o mais sensato é deixar os ritos em suspenso por enquanto, e que quando chegar o momento, iremos atrás da solução? Optamos por parar de rezar? Escolhemos assumir uma postura de pessoas intensas, comigo é assim, só aceito se for para ter tudo, se for para ter migalhas prefiro não ter coisa nenhuma? Excluímos a reza de nossa vida… e acabamos com o problema?
Faço minha a pergunta de Cleide e Enéas… E agora, José? Para onde?
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Uma conclusão, que pode ser que confunda o leitor, em vez de esclarecer:
O leitor imaginou que eu apontaria alguma sugestão, saída, proposta? De onde tirou essa ideia?
Eu não tenho respostas. Acessando o texto de Cleide Martins e Enéas Canhadas, eu só encompridei a lista de minhas interrogações. Isso cria um incômodo. Minhas características de resiliência, criatividade e paciência são adubadas por esse movimento. Eu progrido. Amadureço. Gosto!
Você… que tal? Vem comigo?
(Só decide rapidinho, porque agora está na minha hora de rezar, e fico impaciente de esperar!!!!)
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Uma despedida, esta levada muito a sério:
Grata, leitor! Grata, Cleide! Grata, Enéas! Grata, meus amorosos cuidadores! Grata coronavírus! E para finalizar… sem encucações… uma bela risadona cheia de bom humor!!!!
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foto: Jader Andrade