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Veludo, um toque de classe

Por Suely Tonarque (*)

Na minha memória guardo tesouros. Mas o que mais faço questão de relembrar são os afetos que vivi na infância com meus pais, irmãos, avós, tias, tios, primos e primas, as brincadeiras, os pretensos namorados, a hora de dormir quando tínhamos ataques de risadas e saíamos correndo para fazer xixi.

Quando íamos ao cinema, escolhíamos os vestidos,  e no inverno eu me compunha com um vestido azul de veludo e me sentia uma princesa.

Eu e minhas irmãs nos transformávamos em princesas de cabelos negros cacheados, os cachos dançavam com cada uma de nós, ao som do vento. Éramos felizes e gostávamos de expressar nossa felicidade. Ríamos muito, ao lado umas das outras. Os adultos que nos viam assim tão alegres, faziam gestos para pararmos. Nem por isso parávamos ou nos sentíamos ridículas. Havia um ditado antigo, que as pessoas mais velhas diziam: “quem ri muito hoje, amanhã irá por certo chorar”. Não tenho lembranças desses choros.

Na verdade, também sinto tudo  isto quando coloco, hoje com 70 anos, o meu vestido verde de veludo. Todas essas lembranças enriquecem os meus dias e sinto que tenho força, coragem, determinação e carinho pelos momentos ricos que pude vivenciar na minha infância e adolescência.

Focalizando o tecido veludo, lembro que nos contos de fadas os vestidos das fadas, das rainhas, princesas e mesmo das protagonistas (já transformadas) eram vestidos de veludo, anunciando a nobreza, a dignidade assumida pelas donzelas, muitas vezes, simples camponesas, tocadas  pela magia da fada madrinha.

O que é o tecido veludo?

O veludo é um tecido quente, considerado de inverno, versátil, e que pode ser facilmente utilizado tanto na confecção de vestidos, arranjos e enfeites  em festas luxuosas, quanto em roupas casuais. É considerado um dos tecidos mais antigos do mundo e foi muito usado para roupas exclusivas das classes nobres.

Até hoje o veludo é sinônimo de riqueza e sofisticação. Surgiu na Índia, feito em teares manuais da fibra de seda, depois passou a ser produzido na Itália, onde as fábricas de Veneza, Florença, Gênova e Milão ganharam fama mundial.

A origem do nome vem do latim (“vellus “) que significa “pelo” ou ”pelo em tufos”.

Podemos classificar os tipos mais comuns de veludos em:

Liso – também conhecido como veludo alemão. É o mais leve e mole, ótimo em confeccionar vestidos e saias que precisam de movimentos leves.

Cristal – é um veludo lisinho e brilhante e é feito de fios de seda.

Molhado – tem a superfície irregular, as fibras desses materiais são prensadas em várias direções, resultando em uma aparência cintilante, como se o veludo estivesse molhado.

Devoré – é fruto de um processo químico  que corroe o tecido e o deixa com desenhos em relevos.

Cotelê – a base deste veludo pode ser o algodão ou algum fio sintético, como o poliéster.

O veludo é considerado um clássico, útil para colchas, mantas para sofás e tapetes, tricot, cortinas dentre outras ulilidades.

Na canção “Tudo Veludo” do compositor Lobão, ele canta:

                 “ Tua tristeza e tua beleza são coisas do mundo,

                    Como tem dança da vida, tem dança da dor.

                    Tudo veludo

                    Tudo, tudo, tudo,

                     Tudo azul na noite”

Em uma tentativa de interpretar essa composição, acredito que  o autor percebe que o  veludo pode ser delicado, macio, confortável e belo, ele traz para nosso corpo aconchego e sensação de bem-estar, ou melhor, abraça as nossas alegrias, nossas dores e dança conosco o movimento da arte de viver com encantamento e  êxtase  como o veludo.

Podemos também conhecer algumas curiosidades  relacionadas ao veludo, vejamos:

Existe uma planta muito semelhante ao tecido de veludo e seu nome popular é Crista-de-Galo. Já seu nome científico é  Celosia Cristada, é uma planta anual, de verão, de inflorescência muito macia, dobrada e brilhante, com a textura de veludo. É uma planta também comparada ao aspecto do cérebro. E encontramos variadas cores da crista-de-galo: amarela,vermelha, rosa, creme, roxa e branca. É nativa do continente asiático, mais especificamente da Índia.

Veludo sempre foi o tecido das roupas dos reis, rainhas, princesas e príncipes: passou por muitas fases e deixou na memória dos homens muitas histórias.

Há também uma ave chamada Bico-de-veludo. É uma ave passeriforme da família Thraupidal,  conhecida também como Bicudo-do-tabuleiro, e seu nome científico é Shisto Chianys  do latim schistus – cor de ardósia acizentado, e do grego khuamus, que significa capa, manto. É, portanto, uma ave com manto acidentado e cabeça vermelha.

Pode ser encontrada em cerrados e campos de altitude, vive solitária ou aos pares em arbustos baixos, frequentemente em áreas abertas, em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Na região Sul, apenas no Paraná. Essa ave possui  um canto melodioso, repetido  incessantemente que pode variar de região  para região É uma ave com oito centímetros de comprimento e se alimenta de grãos e frutas.

E a força do veludo vai muito além. A Alfaiataria Gamniarelli, atende ao Vaticano desde 1789, todas as roupas sãp meticulosamente feitas à mão com fios puros, provenientes de fornecedores de longa data na Itália e embelezados com detalhes. No Brasil encontram-se nos estados do Maranhão, Pará, Bahia, Pernambuco, Tocantins e Piauí. Na região Centro Oeste, nos estados de Mato Grosso e Goiás. No sudoeste em Minas Gerais, minuciosamente trabalhados. O tecido principal usado nas roupas papais é a lã branca na túnica, mais a seda para os detalhes e botões. O veludo é usado na capa e no manto.

Durante a Idade Média, as roupas e os sapatos eram bastantes volumosas e escondiam quase inteiramente os corpos, especialmente os das mulheres. As cores mais usadas  eram o azul real, o bordô e o verde escuro; usavam ricas vestimentas confeccionadas  com tecidos orientais, sedas, lãs penteadas e o veludo. Festas não faltavam o ano inteiro, nas feiras e nas datas religiosas e profanas na Europa medieval.

Os trajes de luto da família real eram importantes para a tradição. A rainha Vitória, do Reino Unido, os usou por 30 ano; já a rainha Elizabeth trocou suas roupas, normalmente coloridas, pelo uso de trajes sóbrios e totalmente pretos durante duas semanas, isto é, o período de luto pela morte em 9 de abril, do seu marido, o príncipe Philip, onde os vestidos de veludo preto se fizeram presentes.

 No passado de 1950 a 1980, ao  entrar em uma sala de cinema e até sentar e se acomodar se confortavelmente para entrar no mundo do filme selecionado, as cortinas de veludo vermelho, preto ou azul eram fechadas, e abriam bem devagar no fundo uma música para dar início à beleza onírica.

Não podemos  esquecer que nas cerimônias de entrega do Oscar, existe um tapete de veludo vermelho para entrada dos astros, onde se dará a cerimônia mais esperada do ano. As “Divas”, atrizes mais cotadas, permanecem  mais tempos ali para serem visatas e fotografadas.

No filme “O Veludo Azul” (1986) do diretot David Linch, a atriz Isabella Rosseline  (Doroth Vallens) canta a canção Blue Velvet. Ela usava um  vestido de veludo azul, mas o azul do vestido era a noite, mais  suave que o cetim era a luz das estrelas. Ela usava  vestido azul, mas mais azul do que o veludo eram seus olhos.

Grande sucesso (1986) de bilheteria, “Veludo Azul” apresenta as diferentes maneiras e formas de estar e ser no mundo, nas relações cotianas.

A cortina  de veludo azul/noite aos poucos e de mansinho vai motrando os perigos ”escondidos” em nosso psiquismo e os atalhos desconhecidos que nos levam a desvendar as aparências da beleza do veludo, seja ela da canção, do tecido, do conforto ao acolher o nosso corpo. Seja ele, do bebê, do adolescente, jovem, maduro  ou velho. O veludo faz parte da história do mundo.

(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontologista, integrante do Grupo de Reflexões do Ideac e especialista em moda para o envelhecer

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