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Dançar novamente, desafio do bem viver

Por Suely Tonarque (*)

Basta uma lembrança apenas para concluirmos que todos nós fomos crianças uma vez na vida. Uma vez é modo de dizer, mas pode se desdobrar pela vida toda. Para algumas pessoas, as memórias da infância ainda são tão significativas e profundas que, acredito, impulsionam a existência e o constante desafio de viver. É óbvio que, na nossa infância, a curiosidade, o medo, a espontaneidade, o se jogar nas brincadeiras e o participar delas, envolviam sentimentos carregados de “luta”, “combate”, “guerra”, disputa e competição, entre outras manifestações.

E nossa trajetória de vida foi assim sendo preenchida de brincadeiras recheadas de alegrias. Apenas para ilustrar, lembro de brincadeiras constantes por volta dos meus 10/11/12 anos – era o jogo de queimada e o andar no carrinho de rolimã dos meus irmãos Beto e João, isto é, na garupa deles, pois dirigir não deixavam.

A memória é uma faculdade que executa a ilustração da nossa própria existência. Repare na letra do movimento Danser Encore (dançar novamente):

E dançar novamente

Avançar a velas plenas

E dançar novamente

Adiar a morte

Para fora da estrada

A canção de HK nesse clipe viralizou na França e pelo mundo afora, ou seja, precisamos retomar as alegrias das nossas infâncias para que possamos prosseguir, cada um com sua história única, mas com esperança de que aquilo que não está bom, vai passar… A alegria é sempre bem-vinda e sem pressa de acabar, uma festa interna de cada um de nós.

Com o passar do tempo físico (Chronos), vamos acrescentando rugas, marcas no rosto e no corpo. Surgem as transformações, mesmo que façamos ginástica. Querendo ou não, envelhecemos, metamorfoseando o que temos de mais concreto em nossa vida, que é o nosso corpo. Os vestidos que usávamos com 20,30,40 anos estão intactos (se investimos no cuidado dessa roupa), mas hoje com 60 anos o corpo é outro, não está intacto, e acredito que não vamos “entrar” nestes vestidos!

O tempo Kairós é um outro tempo, aquele registrado na memória, na psique, e não pode ser controlado e medido através de números.

Na filosofia grega, Chronos é o senhor do tempo e Kairós é despojado, nos convida a viver com mais frescor e delicadeza, sem o preconceito da opinião do outro, sem medo e com liberdade de suas escolhas em relação aos seus óculos, vestimentas, adornos, acessórios, cor do cabelo, enfim, que a imagem das nossas escolhas em relação ao nosso vestir, esteja em “harmonia” com o caminho percorrido pelo nosso envelhecimento.

Explico-me: ao escolher óculos (neste momento com 70 anos), fico mais atenta para que esta escolha esteja  em “equilíbrio” com o formato do rosto; também a escolha de um batom, lápis pra sobrancelhas, lápis para o contorno dos olhos, assim por diante. Escolha das nossas práticas também para o cuidado do corpo, como qual exercício adequado ou quanto tempo devemos reservar para o caminhar. A alimentação também é um cuidado, e assim vamos gerenciando esse envelhecimento saudável, pois como sabemos, velhice não é doença, velhice é vivência, ok?

Voltando no tempo Kairós e Chronos, revi o filme (três vezes) “Perfume de Mulher” (1992), que me encanta e me fascina.  Lembrando que é quando Al Pacino ganha seu primeiro Oscar de melhor ator.

Em um momento, ele faz o convite à jovem Donna para dançar um tango. Mesmo cego, ele desenvolve outras formas do olhar, através do perfume, do cheiro do corpo através da escuta e da sensibilidade da pele. Embala o mundo de magia, encantamento e outras formas de observar e mapeá-lo.

Nós também vamos assim escrevendo nosso envelhecimento conforme nossas experiências, nossas relações com outras pessoas, as marcas que tatuamos em nós e nos outros.

Voltando às escolhas, que ajudam a construir nossa identidade, ao envelhecer o quanto mais estivermos próximos da nossa essência, daquilo que é único e original em nós, vamos viver com mais dignidade e emancipação. Terminando essa reflexão, quero trazer o pensamento do escritor Valter Hugo mãe, no seu livro “O filho de mil homens” para falar de uma velhice que não é doença, mas pertinência da própria vida:

“[…] Seus olhos tinham um precipício. E ele estava quase a cair olhos adentro, no precipício do tamanho infinito escavado para dentro de si…”

(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloga e especialista em moda no envelhecer