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Procure as brechas

Por Maria Celia de Abreu (*)

Pelo final da década de 70, meu marido trabalhava como redator do programa de televisão conduzido pela Hebe Camargo. Assim que o Professor Paulo Freire retornou do exílio, aceitou o convite para dar uma entrevista. A alegria da equipe toda foi enorme, mas surgiu uma preocupação: todos trabalhavam demais enquanto o programa estava no ar, ninguém teria nem um minutinho para “fazer sala”; é rotina, nos programas ao vivo, que o entrevistado chegue com muita antecedência e enfrente uma longa espera; como largar um homem tão importante nos bastidores? E mais: dado o respeito e admiração pelo Professor Paulo Freire, qual assunto ficar conversando com ele?

Quando Silvio, meu marido, me relatou esse nó estratégico, vislumbrei uma oportunidade única… e me ofereci, contrariando meus comportamentos habituais. Foi a única vez em que estive no programa da Hebe Camargo. E mesmo por trás das câmeras, foi muita honra e muita emoção.

O tempo de espera pela entrevista passou rápido, a conversa rolou fácil. A certa altura, dentro do assunto Educação, expressei meu desencanto com o futuro, com a falta de perspectiva de uma saída para a situação lamentável em que nosso país estava mergulhado. Os educadores se sentiam diante de uma muralha grossa e alta, impossível de ser transposta.

Ouvi do Professor Paulo Freire uma frase, dita sem destaque, sem pretensão de encerrar uma sabedoria decisiva, mas que fez meu coração vibrar e da qual não me esqueci até hoje: “Procure as brechas”. Entendi que mesmo uma muralha intransponível terá brechas, rachaduras, furos…

Hoje ainda me sinto educadora, me sinto psicóloga, só que minha atenção agora se volta para a população que tem mais de 60 anos. Como trazer para essas pessoas uma qualidade de vida digna, plena, saudável? Diante de um primeiro olhar, parece uma tarefa gigantesca, para ela não há esperança. É verdade: não dá para fazer mudanças radicais nem atingir populações numerosas, não dá para mudar grandes coisas. Mas… e fica como minha mensagem para o ano que começa agora, que de antemão sabemos que será difícil e sofrido: não se lamente, não fique parado, não desanime… procure as brechas!

Ano de 2022: você pode vir, estamos prontos para recebê-lo e fazer com que você seja uma etapa significativa, se não para a maioria, pelo menos para alguns idosos! E significativa para nós mesmos, que estaremos agindo nas brechas que encontrarmos.

(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga, coordenadora do Ideac e autora de “Velhice, uma nova paisagem”