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Reflexões sobre a necessidade de pertencer, sob o referencial da teoria de Erik Erikson

Maria Celia de Abreu (*)

Na teoria de Erik Erikson, o ser humano, para ter um desenvolvimento psicológico adequado, precisa cumprir uma sequência de tarefas psicossociais ao longo da vida. Cada fase da existência tem uma tarefa principal, embora todas as tarefas sempre estejam presentes, numa posição secundária.

A tarefa primordial da adolescência é estabelecer a identidade. Em outras palavras, é conseguir responder à questão: “Quem sou eu?” com todas as suas implicações. Uma possível razão para se fracassar no estabelecimento da identidade é não ter resolvido tarefas psicossociais anteriores. Por outro lado, quem não define sua identidade na adolescência vai ter sérias dificuldades na vida adulta.

Estabelecida a identidade, o adulto jovem, o adulto maduro e a pessoa idosa estão instrumentados para reconhecer qualidades e pontos fracos de sua personalidade; ter clareza sobre os valores que orientam suas ações e projetos; aperfeiçoar progressivamente o aprendizado sobre direitos e deveres, próprios e alheios; perceber-se como parte influenciadora de uma família, uma comunidade, uma sociedade, enfim, da humanidade; idealizar projetos com consequências que podem ir desde o âmbito individual até o da vida sobre a Terra.

Todos esses posicionamentos adultos transcendem o individualismo infantil e são facilitados porque contamos com uma outra necessidade psicológica de forte influência sobre a saúde psicológica na velhice: a necessidade de pertencer.

O adulto construtivo, psicologicamente saudável, é capaz de atender à necessidade de pertencer – a um grupo social, uma causa, um bairro, uma entidade civil, uma associação religiosa, etc – e ao mesmo tempo não perder a sua identidade. Ele adota os valores e as sugestões de ação do grupo ao qual pertence, mas busca coerência entre os valores e atos, e não delega a ninguém a responsabilidade pelos seus comportamentos.

Quem abre mão dessa responsabilidade, repassando-a para outrem, a quem obedece sem contestação ou crítica, na verdade não está preenchendo a sua necessidade de pertencer; provavelmente está atendendo a falhas de seu desenvolvimento infantil, que deixou uma ou algumas tarefas psicossociais não resolvidas: formação da identidade; senso de competência (cuja consequência é o sentimento de inferioridade); capacidade de tomar iniciativas e de ter propósitos (tarefa que se não for cumprida deixa em seu lugar a culpa); autonomia e vontade própria (cujo fracasso gera vergonha e dúvidas sobre si mesmo); e confiança, com a capacidade de ter esperança (com a contrapartida da desconfiança sistemática de tudo e de todos).

O pensador Viktor Frankl nos alerta para o fato de que cada um de nós é um ser único e diferenciado, dentre todos os humanos. Em consequência, cada um de nós tem algo a fazer sobre a Terra, graças ao talento e à história pessoal de cada um.  Quando nos damos conta dessa missão, sentimos que a vida tem um significado, dentro de um todo maior. Para cumprir a missão individual, vamos nos associando a outras pessoas cuja missão coincide com a nossa. Só que essa associação não quer dizer que nos esquecemos da missão única e individual.

O pertencimento saudável e maduro não serve a causas individualistas que desconsiderem os outros, como por exemplo o objetivo de ter projeção pública pela própria projeção pública, de ter poder, vencer competições, alimentar a vaidade pessoal etc. O uso do pertencimento para tais fins, em vez de ser elemento precioso para a saúde psicológica, torna-se pernicioso, nocivo.

Entre outros prejuízos, essa pessoa não se abre para outras pessoas ou para ideias desconhecidas, ao contrário, sente-se aprioristicamente ameaçada por elas. Empatia é uma qualidade que não exerce. Seu córtex não se exercita em caminhos neuronais novos; ela se limita a acolher e repetir estímulos já conhecidos, fator importante para o empobrecimento da cognição.

A boa notícia que Erik Erikson nos dá é que tarefas psicossociais não devidamente cumpridas na fase mais adequada sempre podem ser recuperadas. O trabalho de recuperação será mais duro do que na época ideal, mas é possível. Depende da pessoa tomar a decisão corajosa de deixar para a humanidade um legado positivo.

(*) Maria Celia de Abreu é psicóloga e coordenadora do Ideac

ilustração: Freepick