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Tenho profundo respeito pelos mais velhos

Marcelo Médici – ator

Aos dez anos, fui morar no trabalho da minha mãe, que já estava divorciada de meu pai. Acontece que o trabalho dela era a jogatina, com tudo a que tinha direito: mesas atoalhadas, fichário, puxadores e baralhos novos sendo abertos no decorrer do jogo, partidas que podiam durar alguns dias. E valia dinheiro. Lembro de todos os parceiros, a quem eu chamava de tio e tia. Eram pessoas mais velhas, figuras absolutamente distintas, que ficavam compenetradas no jogo, mas contavam piadas, falavam besteiras e tinham histórias de vida bem diferenciadas. Existiam as madames, algumas senhoras ilustres, os malandros, os coronéis, até artistas. Eu adorava “assisti-los”.

Aos dezesseis anos, enquanto cursava o segundo grau, comecei a fazer teatro, o que me levou a conviver com pessoas mais velhas, que me estimularam a ler Machado de Assis, Nelson Rodrigues, física quântica… e outros materiais que não costumavam fazer parte do universo dos adolescentes da minha idade. Até fui chamado, na escola, para explicar minhas redações, que chegaram a um patamar de prodígio.

Fui criado por uma avó extremamente amorosa, e ouvi a vida inteira que fui mimado. Fui mesmo. Mimado pela avó e por uma mãe que me viu nascer aos trinta e nove anos, algo pouco comum para a época. Fui mimado, mas também orientado por duas mulheres experientes, sábias, bravíssimas, inteligentes e muito bem-humoradas. Eram diferentes e complementares. Minha avó me ensinava a ser paciente, e com minha mãe aprendi que, às vezes, mandar à merda é muito importante. Quando minha mãe me contrariava com um “não” e eu fazia cena, ela dizia para eu procurar um psicólogo quando eu crescesse, para resolver aquilo. Dou risada disso até hoje!

Mais tarde, já ator profissional, o que eu mais gostava era de me aproximar dos atores mais velhos, para ouvir as histórias, as lendas, as fofocas, as dicas de atuação, milhões de coisas, inclusive aquelas que nunca podem vir à tona. Sempre soube que era a forma de estar próximo da história viva do teatro.

Trabalhando no programa humorístico A Praça é Nossa, tive o privilégio de conviver com humoristas geniais, alguns deles que fizeram parte de minha infância de espectador; em especial, ali convivi com a sensacional atriz Zilda Cardoso, que na Praça fazia a Catifunda, o nome com que ela era conhecida. E ela odiava isso. Nos bastidores, todo mundo morria de medo dela, porque ela não era o que se imagina para um humorista: perfeccionista com o trabalho, não era de riso fácil, não era de muita conversa. A amizade que se desenvolveu entre nós foi muito significativa para os rumos da minha vida. Passei longas horas das minhas noites ao telefone, com ela, e isso foi maravilhoso.

Ela um dia me falou para sair do humorístico e tentar fazer novela. Verdade seja dita, isso era algo que sempre desejei, mas mesmo assim argumentei que a Praça era melhor, pois era gravado só uma vez por semana e novela era gravada todos os dias, e ela prontamente respondeu: – Mas a novela acaba! Você nunca vai se livrar desse personagem humorístico, nunca vai conseguir fazer outros trabalhos, não vão te enxergar como ator. Foi aí que entendi por que ela odiava a Catifunda. Em outra ocasião, me aconselhou a fazer um espetáculo solo, utilizando caraterização de personagens, e também disse pra eu comprar um apartamento no lugar que eu mais gostasse no mundo. Fiz absolutamente tudo que ela aconselhou. Quando alguém mais velho prevê um acontecimento, às vezes é poder mediúnico, mas na maioria das vezes é apenas experiência.

 Esse espetáculo solo foi um divisor na minha carreira, na minha vida, e até hoje é onde me salvo quando o calo aperta.  Entre outros fatos, foi nos bastidores da primeira montagem do “Cada Um com Seus Pobrema” que Silvio de Abreu, acompanhado de Denise Saraceni, fez o convite que me levou para a dramaturgia televisiva; é alguém de uma geração acima da minha, e que, à distância, observava meu trabalho desde A Praça É Nossa.

Na novela mais recente em que trabalhei, fui filho da Dama Nicette Bruno; muitas vezes, nas longas esperas entre gravações, ficávamos falando besteira e, quando ela se aproximava, meus colegas mudavam de assunto… pois eu sempre fazia questão de explicar o que era, porque uma mulher que teve sua própria companhia de teatro antes dos 18 anos e seis décadas depois estava ali na ativa, em absoluta propriedade de seu ofício, não iria ficar chocada com nada que estivesse em pauta. E ela adorava!

Tenho profundo interesse por pessoas mais velhas e acho que a grande sabedoria de quem é mais novo é tratá-las com o devido respeito, mas nunca as deixar isoladas, como se estabelecer comunicação fosse um problema. Para mim nunca foi, é só ganhei com isso.

Envelhecer é privilégio, conviver com quem chegou antes da gente, é ouro.