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Somos pérolas negras de nossa existência

Suely Tonarque (*)

Sei que somos assim, ou melhor, penso que não nascemos prontos e vamos nos constituindo à medida em que a vida vai nos levando. Simone de Beauvoir disso isto de forma poética, mas ao mesmo tempo emergindo do mais profundo de suas experiências. “Ninguém nasce mulher, torna-se”. O ser humano precisa se autorizar ser outro a cada caminhada.  Como dizia o grego Heráclito, a travessia do rio nunca é a mesma porque o rio não é o mesmo, e se você procurar o rio, ele já se metamorfoseou.

Outro dia, ouvindo o Frei católico Leonardo Boff traduzindo o significado da Pascoa dos oprimidos, quando fala da tentação da desesperança, percebi que ele segue a mesma linha de raciocínio de Beauvoir.  Ele é empobrecido, ele não é pobre, ele foi feito pobre, ele foi feito oprimido. O pobre tem força histórica, sendo que ele é o grande protagonista do nosso mundo.  

É sabido, também, que possuímos um DNA próprio, ímpar. Cada ser humano com um corpo e uma história especial e rara. Isto porque no trajeto de uma vida, construímos e escolhemos caminhos a trilhar com um corpo vestido em movimentos, ação e significados.

Na obra do pintor italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), o Homem Vitruviano (1490), localizada na Gallerie dell Academie, em Veneza (Itália), vemos um desenho de duas figuras masculinas sobrepostas, com braços e pernas separadas, dentro de um quadrado e um círculo. Esta obra é baseada em um estudo de proporções de Vitruvio Pollio, arquiteto famoso na época; ela simboliza a beleza pura e clássica”, o equilíbrio da harmonia das formas e a perfeição do corpo. Um modelo ideal de um corpo determinado pelo raciocínio lógico e milimetrado nas leis e proporções da matemática.

Este corpo representado no desenho de Leonardo da Vinci é a PERFEIÇÃO. Algumas pessoas passam a vida toda em busca da suprema beleza, os defeitos são negados e na sociedade de consumo a aparência movimenta o cotidiano, em busca de embelezamento, saúde e bem-estar. Acredito que o embelezar não faz parte do universo feminino e sim da natureza humana, independente de gênero.

Mas existe mesmo essa perfeição? Quem a tem? As normas sociais que sustentam nossos comportamentos são criadas pelos homens, mas o que significa ficar fora delas? Ser excluído do convívio social. As pessoas não são diferentes? Não somos únicos e originais? O que prima no mundo de hoje é a diferença. Nada mais deprimente do que ver mulheres e homens robôs que passaram por bisturis e se tornaram “monstros disformes”.

Como profissional da moda, muita coisa chama minha atenção nesta busca pela perfeição: quero falar das pérolas naturais que são redondas e formadas pelas ostras; já as pérolas de água doce são produzidas por um molusco especial no lago de Biwa (Japão), possuem formatos irregulares. Independentes dos lugares de onde elas chegam até nós, sempre desejamos um colar, um brinco, um broche, uma pulseira, sentimo-nos enfeitadas e encantadas com a delicadeza das pérolas. Além disso, percebe-se que elas possuem uma conexão com a alma feminina, adornando o design do nosso corpo.

Gabrielle Chanel, a grande revolucionária da moda (1883-1971), dizia assim: “Uma mulher precisa de voltas e voltas de pérolas”. Ela ficou conhecida por misturar pérolas falsas e verdadeiras, e deixou como legado um acessório que se tornou eterno no enfeitar as mulheres. Assim, essa busca de um novo sentido de embelezamento, como um colar de pérolas, dá-lhe classe, elegância e, antes de tudo, ilumina a graça infinita da mulher.

No conto de Lygia Fagundes Telles “As Pérolas”, o marido doente, impossibilitado de sair do leito, observava pelo espelho, Lavínia, sua mulher, se produzindo para ir a uma festa. No seu imaginário começam a desenhar cenas onde Lavínia encontra com Roberto, um amigo antigo. Sua esposa vestida toda de preto, procurava pelo seu colar de pérolas, presente de casamento, oferecido pelo próprio Tomás.

Não encontrando a joia, vai à festa sem o colar de pérolas. Da sacada do quarto Tomás grita por Lavínia e devolve o seu colar. É obvio, que este é um resumo de um conto de amor e ciúmes, mas quis aqui focar a importância das pérolas, a completude que o colar dava ao vestido preto.

Na música “Pérola Negra”, cantada por Luiz Melodia (1951/2017), há uma beleza na canção pelas muitas declarações de amor que ele faz à pessoa amada: “Baby te amo, e nem sei se te amo”.

Pérola Negra é muito difícil de se encontrar, é muito rara. Pescadores   de conchas contam que entre cem pérolas produzidas pela natureza, apenas uma é uma pérola negra. Simbolicamente, a amada da música de Luiz Melodia era vista tão maravilhosamente, uma mulher muito rara.

Voltando ao que dizíamos no começo desta conversa: se somos únicas, originais, somos pérolas negras. Não somos cópias. É o caminho que trilhamos, que também único, é o que nos produz, que dá sentido e significado ao nosso estar neste mundo.  

Sabemos que à medida em que envelhecemos, um rol de diferentes coisas vai se tornando prioritário em nossa vida. Aquela ruga, os sulcos profundos no rosto já não incomodam mais, não são bonitos nem feios, são testemunhas das nossas experiências, das batalhas travadas no caminho.

Amigas confessam que à medida que vão envelhecendo tornam-se mais doces consigo mesmas e menos críticas com as demais pessoas. Dizem: tenho em mim um grande amigo e me autorizo a ser como sou: não perfeita!

(*) Suely Tonarque é psicóloga, gerontóloga e especialista em moda para o envelhecer